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AÇÃO QUE VERSE SOBRE COBRANÇA OU REVISÃO DE DÍVIDA ORIGINÁRIA DE VALORES RELATIVOS AO FINOR - Competência da Justiça Federal


O BNB - Banco do Nordeste do Brasil S.A. tem ajuizado ações de cobrança contra empresas inadimplentes de obrigações com o FINOR - Fundo de Investimento do Nordeste, ou tem figurado como réu em demandas onde o pedido consiste na revisão de dívida para com esse Fundo de desenvolvimento. Sendo o BNB uma sociedade de economia mista, esse tipo de ação tem sido aforado junto à Justiça dos Estados, pela aplicação do raciocínio simplista de que a competência constitucional da Justiça Federal, tal como delineada no art. 109, I, da CF, não engloba as demandas contra sociedades de economia mista(1) .
A competência para conhecer das ações em que se discute questões relativas ao FINOR e outros fundos regionais, no entanto, deve ser entregue à Justiça Federal, porque esse tipo de demanda envolve interesse da União Federal. Com efeito, é preciso compreender de maneira mais profunda a sistemática do FINOR, para se poder vislumbrar o interesse da União nas ações em que se discutem questões relativas a esse fundo regional, especialmente naquelas onde a pretensão jurisdicional confunde-se com a recuperação dos créditos concedidos a empresas beneficiárias das políticas de incentivos fiscais.
O FINOR foi constituído com recursos deduzidos do Imposto de Renda, que foram alocados para aplicação específica: a constituição de um fundo destinado a projetos de empresas previamente aprovados pela extinta SUDENE (hoje parcialmente substituída pelo Ministério da Integração Nacional ou pela ADENE). Essa política de incentivos fiscais, por meio da constituição desse fundo, era inspirada numa diretriz governamental que visava a reduzir as disparidades econômicas e sociais que separavam (e ainda separam) as regiões do país - um Nordeste empobrecido de um Sul e Sudeste ricos. Através do Decreto-Lei n. 1376/74, que instituiu o FINOR, as empresas que desejavam aplicar parte do Imposto de Renda devido em novos empreendimentos a serem instalados no Nordeste, com projetos aprovados pela SUDENE, manifestavam essa opção na declaração anual. As pessoas jurídicas que faziam opção pelo pagamento do Imposto de Renda na forma do incentivo ao desenvolvimento regional recebiam ações ou debêntures das empresas beneficiadas com recursos do Fundo.
O BNB, de acordo com essa sistemática do Decreto-Lei n. 1376/74, que instituiu o FINOR, assumiu a condição de operador desse fundo, mas sua supervisão foi cometida à SUDENE, autarquia especial hoje já extinta, nos termos da dicção do seu art.5o., verbis:
"O Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR) será operado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), sob a supervisão da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) ".

Como mero operador do Fundo, o BNB não tinha poderes de administração, estes conferidos com exclusividade à SUDENE, a quem competia a aprovação dos projetos, a definição do cronograma de liberação dos recursos e a fiscalização dos projetos das empresas beneficiadas, a fim de constatar a regularização dos incentivos financeiros e aplicação do percentual de recursos próprios, ou seja, tinha uma série de poderes específicos e que caracterizavam sua função de administradora do FINOR. Essas funções de administração e supervisão do Fundo, de responsabilidade da SUDENE, estão delineadas no art. 8o. do Decreto-Lei n. 1.376/74, verbis:

"Caberá às agências de desenvolvimento regional ou setorial definir prioridades, analisar e provar projetos para aplicação dos incentivos fiscais, acompanhar e fiscalizar a sua execução, bem como autorizar a liberação, pelos bancos operadores, dos recursos atribuídos aos projetos, observado o disposto no art. 4o. deste Decreto-lei".

O par. 1o. do citado artigo 8o. complementa a inteligência do "caput", estabelecendo que "as agências de desenvolvimento regional ou setorial indicarão aos respectivos bancos operadores dos Fundos de Investimentos os montantes aprovados em favor da pessoa jurídica interessada". Entre outras funções de administração, ainda possuía autorização para instaurar processo administrativo contra empresas beneficiárias eventualmente consideradas inadimplentes com o sistema.
A conclusão que se retira da leitura desses dispositivos é que o administrador do FINOR não é o Banco do Nordeste, e sim o próprio Governo Federal, através de sua autarquia especial, a SUDENE, a qual, como administradora, exerce toda a supervisão do sistema, na dicção do art. 2o. do Decreto-Lei 1376/74. A função de operador confere ao BNB apenas a posição de braço operacional através do qual as atividades do FINOR se materializam, por ordem da Administração autárquica. É uma função distinta e subordinada à administração pública, que norteou a criação do FINOR, esta conferida com exclusividade à extinta SUDENE.
A posição da SUDENE como administradora do FINOR e a especificidade de suas funções lhe atribuíam condição para figurar em todo e qualquer processo onde se discutisse questões relativas a esse fundo de investimento, aí incluídas as ações de cobrança ou revisão de dívida de empresa beneficiária. Até porque, nessas ações de cobrança, se discutem e são apreciadas outras questões fundamentais, como as condições e conseqüências do projeto aprovado, as perdas e danos como direito do empresário de atribuir responsabilidade ou culpa da autarquia por atraso na liberação dos recursos do incentivo, direitos de conversibilidade, prioridade de conversão de certificado de investimento por títulos, entre outras. Realmente, não é raro de os réus, em ações de cobranças de recursos provenientes do FINOR, alegarem culpa da SUDENE por atraso na liberação de recursos, causa justificadora de atrasos no cronograma de execução dos projetos e às vezes até fundamento para pedido de perdas e danos.
Após a extinção da SUDENE, esta foi sucedida pela União Federal, nos termos do art. 41 da Medida Provisória n. 2.146, de 04 de maio de 2001, que previu competir ao Ministério da Integração Nacional a administração dos projetos em andamento relativos aos Fundos de Investimentos, o inventário e administração dos bens e o exercício das demais atribuições legais da autarquia extinta. Assim, atualmente quem deve figurar nos processos em que se discutam questões relacionadas ao FINOR é o sucessor da SUDENE, a União Federal. No âmbito do Ministério da Integração Nacional foi criado órgão próprio para execução das atribuições herdadas, denominado de Unidade de Gerenciamento dos Fundos de Investimentos - UGFIN.
Um último esclarecimento em torno do art. 23 do Dec. Lei 1376/74. Esse Dec. Lei que instituiu o FINOR conferiu legitimidade ao BNB para exercer direitos processuais no que se refere aos valores e títulos que constituem o fundo, estando assim redigido:
"As entidades operadoras dos Fundos criados por este Decreto-lei exercerão todos os direitos inerentes aos títulos e valores mobiliários integrantes de suas carteiras, inclusive o de demandar e ser demandado e o de representação dos quotistas em Assembléias Gerais Ordinárias ou Extraordinárias".

Esse dispositivo, como se vê, confere legitimidade ao BNB para demandar e ser demandado em ações que envolvam questões referentes aos valores e títulos constitutivos do Fundo, mas não indica que a União não tenha interesse nessas ações. O artigo limita-se a conferir uma legitimação extraordinária ao banco, para a defesa de direito alheio(2) , considerando-se que o Fundo é formado por quotas de empresas que o integralizaram e que, em retribuição, receberam ações de outras empresas beneficiárias. Se a regra legitima claramente o BNB a cobrar valores componentes do Fundo, representando os quotistas, não afasta o interesse direto da União nesse tipo de ação. Se o banco é legitimado a patrocinar a cobrança judicial dos créditos do FINOR, isso não significa que a União não tenha que intervir como litisconsorte necessário, sendo competente a Justiça Federal para apreciar esse tipo de demanda.
Nesse sentido aponta a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Pernambuco:
"Processo Civil. Agravo de Instrumento. Recurso da decisão que discute a competência territorial. Sendo a SUDENE autarquia federal e a quem compete a administração dos recursos do FINOR incompetente é a Justiça Estadual (MP 1562/9-97). Agravo improvido por decisão unânime" (Agravo de Instrumento n. 38342-4, 4a. Câm. Cível, rel. Des. Márcio Xavier, DJ 10.12.98).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - QUESTÃO EM QUE DISCUTE MATÉRIA RELATIVA AOS FUNDOS REGIONAIS ADMINISTRADOS PELA SUDENE - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - REMESSA DOS AUTOS - Sendo da Justiça Federal a competência para conhecer das ações em que se discute questões relativas aos fundos regionais, devem os autos da ação e dos recursos nela interpostos para lá ser remetidos. Nulidade dos atos praticados declarada. Agravo provido. Decisão unânime" (Agravo de Instrumento 37633-6 - 2a. Câm. Cível, rel. Des. Santiago Reis, DJ 10.11.01).

Do Tribunal de Justiça do Ceará pode ser destacado o seguinte acórdão:

Exceção de incompetência. Ação cautelar manejada contra o Banco do Nordeste do Brasil S/A - BNB, operador dos recursos advindos do Fundo de Investimento do Nordeste - FINOR e liberados pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE. De acordo com o art. 8º da Lei nº 9.808, de 20.07.99, essa última terá que figurar na relação processual como litisconsorte passiva necessária. Agravo provido para ser declarada a competência da Justiça Federal. Decisão unânime" (TJCE, 1a. Câm. Cível, Agravo de Instrumento de Fortaleza nº 2000.0015.1926-4 (2000.02562-6), rel. Des. Francisco Hugo Alencar Furtado).

Mais recentemente, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco(3) publicou enunciado com a seguinte redação:

"É competente a Justiça Federal para conhecer de ação que verse sobre cobrança ou revisão de dívida originária de valores relativos ao FINOR"(4) .

A circunstância de as funções de administração e supervisão do Fundo FINOR terem sido atribuídas a uma autarquia federal já extinta, a SUDENE, exige que seu sucessor, a União Federal, tome parte em qualquer processo em que se discutam questões relativas a esse fundo de investimentos, ensejando a formação de litisconsórcio necessário com o banco operador, o BNB. Assim, o Juiz de vara cível da Justiça comum dos Estados que receber ação dessa natureza, deve declinar de sua competência e remeter os autos para a Justiça Federal.

Notas:
(1) O argumento é completado pelas disposições das Súmulas 517 do STF e 42 do STJ.
(2) Ninguém pode pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei (art. 6o. do CPC).
(3) Criado pelo Instituto dos Magistrados de Pernambuco - IMP com o objetivo de pesquisar, estudar, discutir, enunciar e divulgar a jurisprudência das Varas Cíveis do Estado de Pernambuco.
(4) Enunciado 63 do FVC-IMP.

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