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DEMOCRACIA CIBERNÉTICA


 

Entre as mudanças trazidas por Barack Obama, eleito o 44º presidente como resultado de uma meteórica escalada de popularidade em apenas 2 anos, o uso da tecnologia da informação é de um simbolismo marcante. Há evidências de que seu sucesso, em grande medida, veio de seu comando da internet como uma ferramenta de arrecadação de fundos e de organização da própria campanha.
Voluntários usaram o portal de Obama para organizar cerca de mil eventos de "phone banking" (uma espécie de "tele-marketing" político) na última semana da campanha, além de 150 mil outros eventos relacionados à campanha eleitoral. Seus eleitores criaram mais de 35 mil grupos classificados por afinidades tais como proximidade geográfica e interesses culturais em comum. Ao final da campanha, o portal myBarackObama.com reuniu algo em torno de 1 milhão e meio de contas.
O resultado impressiona: Obama arrecadou um montante recorde de 600 milhões de dólares em contribuições de mais de 3 milhões de pessoas, grande parte disso doado através da internet.
Numa demonstração de coerência com as práticas e as promessas de campanha, em 15/11 último, Obama anunciou que gravará pronunciamento semanal não apenas para o rádio, mas também para o portal mais popular de video da internet: o YouTube.
Gravado em Chicago no gabinete da equipe de transição, e disponibilizado em 16/11, o primeiro video no formato YouTube foi disponibilizado no portal Change.gov, numa demonstração de respeito pela transparência. Conforme a sua assessoria, o presidente Obama deverá gravar depoimentos em vídeo como esse e disponibilizá-los semanalmente, em conjunto com entrevistas de especialistas em políticas públicas e membros da equipe de transição, com perguntas e respostas online.Há a informação de que sua administração deverá lançar um canal "Casa Branca" no YouTube logo após sua posse.
Independentemente se tudo isso significará de fato mais transparência, é inegável o enorme benefício à democracia que o uso de um veículo de comunicação tão inovador e tão interativo como a internet vai trazer.
Como disse Mark Hart (coordenador do Florida Media Coalition) em seu apelo pela liberdade no terceiro One Web Day (dia mundial para a defesa do ecossistema da internet, criado por Susan Crawford, professora de Direito da Universidade de Michigan e líder da equipe de transição no que diz respeito aos assuntos sob a responsabilidade da agência reguladora Federal Communications Commission (FCC), fixado em 22 de setembro, para encorajar usuários a mostrar o quanto a internet afeta suas vidas), do mesmo modo que o advento da TV a cabo nos anos 1980s trouxe canais de TV pública e educacional ao cidadão americano, a internet tem expandido enormemente a quantidade de informação pública disponível ao cidadão comum.
Como exemplo da força do que ele chama de "new media" (nova mídia), e não "news media" (mídia de notícias), Hart menciona o caso recente da atuação fundamental de um cidadão comum (Robb Topolski) na condenação da Comcast, possivelmente o maior provedor de acesso à internet residencial dos EUA, pelas práticas discriminatórias contra o tráfico de internet que utilizava o protocolo BitTorrent de compartilhamento de arquivos: apesar das declarações públicas da Comcast de que não havia cometido discriminação, com base nas evidências inequívocas coletadas por Topolski, as organizações ativistas Free Press e Public Knowledge entraram com um processo contra a Comcast que levou a FCC a promover duas audiências públicas, uma em Harvard e outra em Stanford (esta com o depoimento presente de Topolski), e a concluir pela emissão de uma "ordem" para que a Comcast interrompesse com as práticas discriminatórias e restabelecesse um nível mínimo de transparência com relação aos serviços oferecidos ao consumidor.
Numa palestra ao One Web Day (que anualmente escolhe um "valor-chave" como foco, entre eles a liberdade de expressão, a privacidade, a transparência) intitulada This Technology, This Community, This Dream, Lawrence Lessig vai mais longe e diz que a internet é mais do que qualquer dos seus criadores pudesse ter imaginado. Tal qual Holmes disse sobre a constituição, que "trouxe à vida um ente cujo desenvolvimento não poderia ser completamente previsto nem pelo mais bem-dotado de seus criadores", o mesmo valeria para a internet.
Bem a propósito, o valor-chave desse One Web Day de Setembro passado foi exatamente a participação online na democracia. Após lembrar todos os erros do atual governo americano (guerra, crise financeira, baixíssima popularidade do presidente e do congresso), Lessig convoca: "nos foi dada essa ferramenta [a internet], e temos que utilizá-la para aprender novamente como cidadãos governam." São verdadeiramente promissoras as perspectivas de que a tecnologia cibernética redunde em um mundo cada vez mais democrático.
Numa matéria recente da Reuters, foi noticiado que cerca de metade dos usuários de telefone celular do Japão já dispõem de aparelhos capazes de servir como "carteira eletrônica". Num whitepaper sobre mercados de pagamento eletrônico em plataformas móveis da empresa Juniper Research, alguns números deixam bem claro a relação desse fato com a democracia cibernética: apenas uma pequena percentagem da população mundial (sobretudo dos países em desenvolvimento) têm acesso a conta bancária e a cartão de crédito, enquanto que o acesso ao telefone celular é muito mais significativo. Não somente existe no mundo mais de um celular para cada duas pessoas, mas a previsão da indústria dá conta de que o próximo bilhão de assinantes deverá vir de países em desenvolvimento.
Em alguns desses países a cobertura da tecnologia da comunicação sem fio comparada com o acesso a conta bancária é assustadora: em Gana, por exemplo, 1 em 20 habitantes têm uma conta em banco, enquanto que 1 em 3 pessoas tem um aparelho celular. Além do mais, o custo de transferências de fundos através da tecnologia móvel é muito menor que o custo do atendimento numa agência ou mesmo a instalação de uma máquina de auto-serviço bancário.
 
* Artigo originalmente publicado no Globo Online, em 17.11.08.
Ruy de Queiroz é professor de informática da UFPE.

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