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DA AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO - Algumas questões processuais



Sumário:
1. Considerações iniciais. 2. Impossibilidade da cumulação de pedidos de declaração de nulidade de cláusulas com o de acertamento econômico do contrato. 3. Obrigatoriedade de juntada do contrato com a inicial e indicação dos fundamentos de nulidade das cláusulas. 4. Incabível tutela antecipada (ou qualquer forma de provimento liminar no bojo da ação revisional) para compelir o banco a juntar contrato. 5. O simples ajuizamento de ação revisional não autoriza a retirada do nome do autor de banco de dados de proteção ao crédito. 6. Ação de revisão não impede liminar na busca e apreensão. 7. Valor da causa na ação revisional. 8. Impossibilidade de revisão de contratos anteriores no âmbito dos embargos do devedor. 9. Ajuizamento de ação revisional não suspende execução. 10. Conexão da ação de revisão de contrato bancário com os embargos à execução. 11. Conexão entre execução, ajuizada perante a Justiça Comum, e ação ordinária de revisão do contrato habitacional, junto à Justiça Federal. 12. Conclusões.


1. Considerações iniciais

As ações de revisão de contratos bancários tornaram-se cada vez mais corriqueiras nas varas cíveis da Justiça comum, consumindo boa parte do trabalho jurisdicional nessas unidades judiciárias. As demandas entre bancos e seus clientes representam um percentual elevado das causas que são processadas perante as varas cíveis, mas, dentre as ações do gênero, certamente as de revisão de contrato bancário são as que têm emergido em maior número.
O problema é que nesse tipo de ação os autores passaram a requerer o acertamento econômico dos contratos ainda durante o processo de conhecimento, o que exigia quase sempre a realização de perícia contábil. A perícia, que é uma prova excepcional e de maior complexidade, estava se tornando regra nesses processos, encompridando o procedimento judicial mais do que o necessário e tornando demorado o resultado final. Além disso, a realização de perícia para se chegar ao quantum devido na relação financeira entre as partes, quando feita pelo Juiz monocrático ainda durante o processo de conhecimento, se mostrou altamente contra-producente, pois não deve ser realizada antes de haver uma definição final sobre as cláusulas e índices válidos do contrato, o que somente se estabelece depois do julgamento da apelação e, em muitos casos, depois de julgados recursos enviados a tribunais superiores. O que se verificou foi que era anti-econômico o Juiz de primeiro grau determinar a realização de perícia, segundo seus próprios critérios, antes de uma definição dos tribunais sobre os parâmetros do cálculo da dívida. A perícia, com a finalidade de se apurar o valor devido, somente deve ser realizada em eventual fase de execução, quando definidos em última instância no processo de conhecimento (na ação ordinária de revisão) os parâmetros para o cálculo. Se o Juiz determina a realização de uma perícia e confirma na sentença o valor nela encontrado, ele não terá qualquer valia se os parâmetros para realização do cálculo não forem confirmados no tribunal. Havendo qualquer reforma da decisão, acerca das cláusulas e condições que determinaram o cálculo, ainda que em parte não substancial, perde-se o trabalho contábil realizado, sendo necessária nova perícia quando os autos retornarem para execução. Além disso, a prática demonstrou que, em muitos casos, nem sequer é necessária a realização de perícia prévia, pois, após definidos os parâmetros do cálculo em decisão final (no processo de conhecimento), o credor, por ocasião da apresentação do cálculo aritmético que elabora junto com a inicial de sua execução, em forma de planilha contendo memória discriminada e atualizada, observa e toma por base os parâmetros já então definidos na sentença do processo de conhecimento.
Para evitar, portanto, a realização desnecessária de perícia ainda durante o processo de conhecimento, um grupo de juízes das varas cíveis do Recife passou a firmar o entendimento de que, nas iniciais de ações de revisão de contrato bancário, o autor não pode cumular pedidos de declaração de nulidade de cláusulas com o de acertamento do contrato. Tal posicionamento, embora fundamentado na regra que afasta a cumulação de pedidos quando ocorra incompatibilidade procedimental (art. 292, par. 1o., I e III), atendeu essencialmente a uma questão de política judiciária, pois a perícia, que é uma prova complexa e demorada, estava se tornando regra nas varas cíveis, nas mais das vezes sendo realizadas quando não havia necessidade ou em momento inoportuno da fase processual, comprometendo o regular funcionamento dessas varas em virtude do número exagerado de ações de revisão de contratos bancários que costumam receber.
Outro problema que também estava ocorrendo nas varas cíveis é que certos advogados simplesmente insistiam em repetir teses jurídicas, distribuindo petições de ações de revisão de contrato bancário sem sequer juntar o instrumento contratual. Essa prática também começou a ser combatida por alguns juízes de varas cíveis de Recife - dentre os quais me incluo -, que passaram a exigir, como condição de procedibilidade para esse tipo de ação, a juntada prévia do instrumento do contrato que se pretende revisar, com a indicação minuciosa das cláusulas cuja nulidade se requer. Os advogados, como se disse, estavam se limitando a reproduzir teses jurídicas, sem apontar, no caso concreto, a fonte contratual da abusividade ou ilegalidade justificadora da revisão ou diminuição dos encargos financeiros contratados. A jurisprudência que se consolidou em seguida exige como condição, para que o Juiz possa, no provimento declaratório sentencial, nulificar cláusulas contratuais com fundamento na abusividade, que "a petição da ação de revisão deve ser instruída com cópia do contrato bancário, devendo o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas, juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência de práticas ilegais, sob pena de ser indeferida"(1).
Essas são apenas algumas teses cujos fundamentos são expostos no presente artigo, que, entretanto, não se limita somente a essas já referidas, pois aproveitamos o tema das questões processuais em torno das ações de revisão de contratos bancários para dissecar muitos outros pontos, a exemplo da possibilidade de manutenção do nome do autor em cadastros de restrição ao crédito, do não impedimento de liminar em ação de busca e apreensão em face da distribuição da ação revisional, do valor da causa em ação de revisão de contrato bancário, da sua conexão com ação de execução, só para citar alguns.


2. Impossibilidade da cumulação de pedidos de declaração de nulidade de cláusulas com o de acertamento econômico do contrato

Como já mencionado antes, na introdução a este artigo, o Juiz não deve conhecer, nas ações de revisão de contrato bancário, de pedido de repetição de indébito ou qualquer outro que implique em acertamento econômico do contrato, cumulado com o pedido de declaração de nulidade de cláusulas contratuais.
Com efeito, o pedido de repetição de indébito pressupõe uma definição quanto à existência (ou não) de saldo credor ou devedor, uma vez expurgados os encargos indevidos. A definição do saldo final do débito/crédito do autor, expurgados que sejam os encargos contratuais abusivos, importa na necessidade da realização de diversos outros atos processuais - inclusive a realização de perícia - não indispensáveis ao exame do pedido simplesmente declaratório. A complexidade e diversidade dos atos processuais necessários para conhecer do pedido de liquidação do contrato, na sua expressão econômica, recomendam a sua não cumulação com outros pedidos contidos na ação de revisão de contrato bancário. Sempre que a cumulação de pedidos possa ensejar tumulto, delongas desnecessárias ou desordem na realização de atos processuais a cumulação de pedidos deve ser evitada, em respeito ao princípio da economia processual.
Julgando caso sobre a cumulação desses pedidos, o Dr. Fábio Eugênio de Oliveira, Juiz da 28a. Vara Cível, alertou para o fato de que não é recomendável, no procedimento ordinário, a admissibilidade de pedido de acertamento econômico de contrato bancário, pois a liquidação de contrato tem verdadeira natureza de prestação de contas, ação de procedimento especial. Veja-se o que disse o referido Juiz a respeito da inviabilidade da cumulação do pedido de acertamento econômico na mesma ação em que se pede a revisão e declaração de nulidade de cláusulas de contrato bancário:

"Conhecer esse pedido, que passa pela análise dos lançamentos diários (durante os anos de vigência dos contratos impugnados), eternizará este processo. Ora, o acertamento econômico dos contratos bancários, com a determinação do quantum debeatur ou, eventualmente, o saldo credor, desafia ação de prestação de contas. Essa ação, frente ao seu procedimento especial e adequado, permitirá, sem maiores atropelos, liquidar os contratos em discussão, como quer a autora.
De observar, com ênfase, que a pretensão da autora, com esse pedido, assume ante as circunstâncias do crédito ser rotativo, caráter de prestação de contas, ao menos indireta. Impossível a cumulação da ação declaratória com a de prestação de contas face à diversidade de ritos. A adoção do rito ordinário para ambos os pedidos tumultuará o
iter procedimental.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. NULIDADE DE CONTRATO. INEXIBILIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO E PRESTAÇÃO DE CONTAS. INADMISSIBILIDADE EM RELAÇÃO A ESTA ÚLTIMA.
De feições complexas e comportando duas fases distintas, inadmissível é a cumulação da ação de prestação de contas com as ações de nulidade de contratos e declaratória de inexigibilidade de títulos, por ensejar tumulto e desordem na realização dos atos processuais. Precedentes da Quarta Turma (REsp 190.892-SP, rel. Min. Barros Monteiro).

PROCESSO CIVIL. CUMULAÇÃO DE AÇÕES DECLARATÓRIA E DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. INADMISSIBILIDADE.
I- O instituto de cumulação de ações, que no sistema processual vigente dispensa a ocorrência de conexão, funda-se no princípio da economia e tem o indisfarçável propósito de impedir a proliferação de processos.
II- Inadmite-se a cumulação simples se há incompatibilidade da via procedimental, a ensejar tumulto e desordem na realização dos atos (REsp n. 2.267-Rio Grande do Sul, rel. Min. Sálvio de Figueiredo)".

O mesmo magistrado ainda ressalta a impossibilidade de cumulação de pedidos argumentando que o pedido de declaração de nulidade das cláusulas deve preceder o de acertamento econômico do contrato:

"A impossibilidade da cumulação pretendida é, ainda, imperativo de ordem lógica. A definição do saldo devedor ou credor pressupõe, como antecedente natural, a declaração das nulidades apontadas. A falta de certeza quanto à validade ou não das cláusulas contratuais impede que, num mesmo processo, ocorra o acertamento econômico dos contratos".

Realmente, a definição do quantum debeatur deve ficar para fase pré-executória, de liquidação de sentença ou mesmo com a apresentação do cálculo aritmético que o exeqüente do crédito eventual deverá elaborar junto com a inicial de sua execução, em forma de planilha contendo memória discriminada e atualizada do cálculo, que deverá observar e tomar por base os parâmetros já definidos na sentença do processo de conhecimento.


3. Obrigatoriedade de juntada do contrato com a inicial e indicação dos fundamentos de nulidade das cláusulas.

Como também já se mencionou anteriormente, não é difícil ocorrer de o autor pedir a revisão de contrato bancário de financiamento, ao fundamento de abusos e irregularidades cometidas pelo banco, como, por exemplo, cobrança de juros capitalizados (anatocismo), a exigência de correção monetária de forma cumulada com a comissão de permanência, entre outras, tudo isso sem apresentação do contrato cujas cláusulas se pretende revisar, geralmente com a alegação de que não teve acesso ao instrumento contratual em face da recusa de apresentação por parte da instituição bancária demandada.
Nesses casos, a ação peca pela inépcia da inicial, pois lhe falta causa de pedir. Com efeito, se o próprio autor confessa que não teve acesso aos contratos e nem sequer instrui a ação com qualquer extrato bancário que possa, por meio de uma apresentação descritiva da evolução da relação contratual, isto é, por meio da apresentação da dinâmica dos créditos e débitos, comprovar a existência das ilegalidades apontadas, ele não tem causa de pedir.
Ora, sem ter sequer conhecimento do conteúdo do contrato que imputa eivado de ilegalidades, não pode requerer prestação jurisdicional voltada à revisão desses mesmos contratos. Somente conhecendo o teor do contrato é que a parte pode pedir sua revisão ou anulação de algumas de suas cláusulas. Diante do exame das cláusulas do contrato, é que o autor pode afirmar se há alguma contrariando a Constituição (e as leis), no que concerne à fixação dos juros e outros encargos financeiros. Por outro lado, se o correntista está presumindo (ou mesmo sentindo) o efeito de práticas bancárias abusivas, somente por meio do exame da evolução da dinâmica (créditos e débitos) efetivamente registrada nos extratos de conta-corrente, é que elas podem ser constatadas, abrindo-se o caminho, assim, para que venha a juízo tentar coibi-las.
Deixar-se que o contratante venha a juízo pedir a revisão de contrato cujo conteúdo sequer conhece implica em admitir ação judicial sem causa de pedir, como se disse antes. A causa de pedir, como se sabe, constituiu o fundamento fático, o ato concreto ocorrido no mundo dos fatos que, atingindo a órbita de direitos do autor e sendo contrário ao Direito, o legitima a vir a juízo reclamar o restabelecimento à situação original ou alguma forma de reparação. Se a ação não tem (como causa de pedir) um fato concreto e certo, pois o autor apenas presume a ocorrência de ilegalidades, o que fica claro é que ele, em sua petição inicial, simplesmente reproduz teses jurídicas que reiteradamente têm sido discutidas nos pretórios, como, p. ex., a questão da cobrança de juros capitalizados (anatocismo) e cumulação de correção monetária com taxa de permanência. Não sabe, no entanto, se no seu contrato em particular e na sua relação com o banco essas práticas foram efetivamente implementadas e qual a repercussão delas em termos de eventual acertamento do contrato.
Examinando essa questão (no Proc. n. 001.2003.057442-1), o Dr. Fábio Eugênio de Oliveira, Juiz da 28a. Vara Cível da Capital, assentou na ementa de sua decisão:

"AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. CORRENTISTA QUE DESCONHECE O CONTEÚDO DO CONTRATO. INÉPCIA DA INICAL À MÍNGUA DE CAUSA DE PEDIR SÉRIA E CONSISTENTE.
Se o correntista desconhece o que contratou, porque não teve acesso ao instrumento da avenca, a demanda que tem como principal causa de pedir a nulidade de disposições contratuais apresenta-se como lide temerária ou, no mínimo, imprudente".

A ementa acima transcrita serve de precedente, levando à extinção de qualquer feito em situação idêntica por inépcia da inicial, em razão da inexistência de causa de pedir. Admitir o prosseguimento de ação eivada de tal vício, sem fundamento fático, é o mesmo que permitir o processamento uma lide temerária ou, para utilizar as palavras do Dr. Fábio Eugênio, é o mesmo que permitir ao autor "litigar no escuro". Por oportuno, transcrevo trecho da decisão do referido magistrado quando reverbera contra esse tipo de lide temerária:

"Se o correntista desconhece o que contratou, porque não teve acesso ao instrumento da avença, a demanda que tem como principal causa de pedir a nulidade de disposições contratuais apresenta-se como lide temerária ou, no mínimo, imprudente. De fato, não se compreende como a autora pode afirmar que há cláusula contratual transgredindo o ordenamento jurídico no que concerne à fixação de juros, a que possibilita a prática do anatocismo, a que estabelece multa acima do legalmente permitido, a que prevê a incidência de correção monetária cumulada com comissão de permanência, se não tem ciência do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente. Litiga "no escuro", firme na esperança do Judiciário encontrar qualquer nulidade nos critérios adotados para a formação e evolução de seu débito. Conhecendo o contrato, a parte poderá indicar seriamente as disposições contratuais cuja revisão ou anulação pretende".

Levando em consideração essas circunstâncias, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco emitiu o Enunciado n. 34, com a seguinte redação:

"A petição da ação de revisão deve ser instruída com cópia do contrato bancário, devendo o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas, juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência de práticas ilegais, sob pena de ser indeferida" (maioria).


4. Incabível tutela antecipada (ou qualquer forma de provimento liminar no bojo da ação revisional) para compelir o banco a juntar contrato

Não é incomum de o autor de uma ação de revisão de contrato bancário, sob a alegação de que não teve acesso ao instrumento contratual em face da recusa de apresentação por parte da instituição bancária demandada, formular pedido de tutela antecipada parcial a fim de compelir esta última a trazer aos autos o referido instrumento.
Esse tipo de pedido, no entanto, não pode ser atendido no bojo de uma ação revisional. Tal providência há de ser requerida em processo próprio - de natureza cautelar, preparatório à ação de revisão. Não seria o caso sequer de se deferir como medida cautelar incidental o pedido de tutela antecipada - não é incomum de o autor requerer a esse título que seja ordenado ao banco a apresentação dos contratos, invocando o par. 7o. do art. 273, do CPC. É certo que tal dispositivo (novidade incluída pela Lei 10.444/02) prevê a fungibilidade entre esses dois institutos, até porque nem sempre é fácil distinguir entre tutela antecipada e medida cautelar. Mas essa adaptação não é aplicável a todos os casos, estabelecendo, o citado dispositivo, a condição de que "poderá o Juiz" adotá-la "quando presentes os respectivos pressupostos". A regra da fungibilidade, portanto, fica submetida à avaliação do magistrado das condições para adotá-la. Não se trata de um direito processual subjetivo e automático da parte (autora). No caso de ação revisional de contrato bancário, em especial, não é possível o deferimento do pedido de apresentação de documentos como providência de natureza cautelar incidental, porque isso implicaria no comprometimento da relação processual e, por conseqüência, da própria prestação jurisdicional. Explico: é que o pedido do autor, no que tange à questão de fundo, já foi formulado com suporte na exposição de teses jurídicas que desenvolveu ao longo de sua peça inicial. Com a chegada de novos documentos, cujo teor ainda não se conhece, ele teria que ajustar o seu pedido às novas provas produzidas no processo, desmantelando toda a ordem processual, o que, evidentemente, não pode ser admitido. Com efeito, o autor teria que, a partir daí, ajustar o seu pedido a uma efetiva e concreta causa de pedir, consistente em eventuais abusos efetivamente comprovados nos novos documentos, não somente modificando teses jurídicas e incluindo outras, como também possivelmente modificando o próprio pedido.
Evidentemente, não há como permitir que o processo se desvirtue a esse ponto. Aquele que pretende a revisão de um contrato bancário, e não tendo acesso a ele, tem que previamente se valer de uma providência de natureza cautelar, através da qual se lhe confira o conhecimento antes negado ao instrumento e outros documentos e, assim, em face de fatos jurídicos efetivamente ocorridos (causa de pedir), formular sua pretensão em juízo. O que não pode é litigar com base em eventualidades.
Confirmando esse entendimento, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco publicou o Enunciado n. 35, com o seguinte texto:

"Não cabe tutela antecipada, em ação revisional, para forçar o banco a apresentar o contrato, pois a juntada desse documento com a inicial é pressuposto da ação e dele depende a existência da causa de pedir e a própria formulação do pedido" (maioria).

5. O simples ajuizamento de ação revisional não autoriza a retirada do nome do autor de banco de dados de proteção ao crédito

Geralmente, o autor de uma ação de revisão de contrato de financiamento bancário requer o deferimento de liminar, para suspender a inscrição do seu nome em banco de dados e sistema de proteção ao crédito. O argumento costuma ser o de que a permanência da inscrição pode lhe trazer prejuízos irreparáveis, decorrentes da restrição do crédito.
Muitos juízes costumam deferir automaticamente esse tipo de proteção judicial, em face de antiga jurisprudência, inclusive do STJ, apontando a abusividade da restrição cadastral enquanto a dívida está pendente de discussão em juízo. Reiteradas são as decisões judiciais que seguem esse entendimento, por vislumbrar como justa e jurídica a prevenção do cometimento de prejuízo creditício a devedores que discutem o montante da dívida em juízo.
Segundo a antiga jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "constitui constrangimento e ameaça, vedados pela lei nº 8.078/90, o registro do nome do consumidor em cadastro de proteção ao crédito, quando o montante da dívida é ainda objeto de discussão em juízo". Com base nesse fundamento nuclear, a Justiça vem concedendo liminares, em processos cautelares ou mesmo em forma de antecipação de tutela, ajuntando a consideração de que "inexiste perigo de dano no fato de impedir-se que o credor, a fim de resguardar seu crédito, inscreva o nome do devedor no SPC ou SERASA", mas o contrário não se aplica ao devedor, pois "há risco de dano irreparável (ou de difícil reparação), tendo em vista as repercussões provocadas por eventual restrição cadastral" (Medida Cautelar nº 2932 - 27.07.00)
Mesmo antes de haver uma modificação dessa jurisprudência, já defendíamos que era preciso buscar a sua exata compreensão e sentido prático, sob pena de se favorecer devedores de má-fé e outros que buscam se utilizar do processo para procrastinar o adimplemento de obrigações validamente assumidas. Tem sobrado casos de pedidos de liminares para impedir ou retirar restrição cadastral, sem o oferecimento de garantias mínimas para o pagamento da dívida.
Assim, passamos a afirmar que a jurisprudência do STJ só devia ser adotada nos casos em que a dívida estivesse garantida, seja no processo de conhecimento ou cautelar através de depósito da quantia, seja no processo de execução por meio da penhora de bens do devedor. O que não deve ser admitido é a concessão de liminar para retirar o registro no sistema de proteção ao crédito, ao só argumento de que o simples ajuizamento de uma ação já torna a dívida discutível e, por isso, não deve permanecer a restrição até que haja um pronunciamento judicial definitivo (quanto à sua existência e extensão). Se somente isso for suficiente, a simples distribuição de uma petição desnuda de argumentos e elementos justificaria o cancelamento, pois, a partir do ingresso em juízo, a dívida já teria se tornado litigiosa. É preciso, pois, que o pagamento da dívida esteja garantido, demonstrando a boa-fé do devedor e sua real intenção quanto ao cumprimento da prestação, para que se lhe possa deferir o benefício processual da retirada provisória do seu nome de bancos de dados de consumo. De outra maneira, tal benefício se transformaria em uma moratória da dívida, em uma espécie de concordata - benefício só concedido a comerciantes que satisfazem uma série de requisitos - às avessas, pois, contando com a reconhecida morosidade da máquina judiciária, que pode demorar anos para oferecer um pronunciamento definitivo (inclusive com a possibilidade de a causa ascender às instâncias extraordinárias), na prática o resultado seria uma suspensão do prazo para pagamento da dívida, até quando (e se), a final, for confirmado veredicto favorável ao credor.
Se o devedor argumenta com a cobrança excessiva, além do montante devido, é imprescindível que forneça elementos de convicção ao Juiz. Mesmo no processo cautelar ou na fase preliminar de antecipação da tutela no processo de conhecimento, o Juiz não se exime de fazer uma cognição prévia, embora superficial do Direito em litígio. Conquanto o campo de instrução no momento de apreciar uma liminar seja restrito, o magistrado concentra seu objetivo na tarefa de examinar a viabilidade jurídica da tese e a probabilidade de ocorrência dos fatos. Por isso, o devedor tem que supri-lo de alguma maneira com indicativos da plausibilidade do direito invocado, o que geralmente se faz por meio da entrega de uma planilha ou memória discriminada de cálculo, contendo a evolução da dívida, os critérios de correção e índices adotados, de modo a chegar ao valor devido. É com base nessa planilha ou esboço de cálculo, demonstrativa da tese jurídica, que o devedor tem que requerer o depósito da dívida e o correspondente benefício da suspensão da inscrição no banco de dados.
Sem oferecer esses elementos, o que prevalece é a presunção de legitimidade da dívida no montante tal qual está sendo cobrada pelo credor, pois decorrente de contrato escrito. A simples alegação de que o contrato envolve cobrança de juros e taxas ilegais, sem o respectivo suporte indicativo da cobrança ilegal, não é o bastante para que o magistrado desconsidere a segurança jurídica de um contrato escrito, o qual, em fase de cognição superficial, é que tem de prevalecer.
Se o autor de uma ação revisional reconhece estar inadimplente, alegando porém que a dívida foi inflada por meio da cobrança de juros e taxas ilegais, mas nem sequer a parcela não controversa, o montante originário da dívida, pede para depositar, carece da boa-fé própria dos devedores que anseiam por honrar seus compromissos em bases justas. Nessas circunstâncias, não se lhe pode deferir o benefício pretendido, devendo permanecer o registro cadastral, legítimo direito do credor.
Nesse sentido é o Enunciado n. 20 do Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco, verbis:

"A retirada do nome do devedor de banco de dados pressupõe que este deposite a parcela incontroversa da dívida, não sendo suficiente o mero ajuizamento de ação revisional" (unânime).

A jurisprudência atual do STJ também é no sentido de que a inscrição do nome do devedor nos cadastros, quando a dívida está sendo discutida judicialmente, só deve ser impedida se demonstrado o efetivo reflexo da ação revisional sobre o valor do débito - e desde que seja depositada ou prestada caução sobre o valor a respeito do qual não há controvérsia. Esse entendimento ficou registrado recentemente pela sua Quarta Turma, em processo relatado pelo Ministro Barros Monteiro. No caso julgado, a Turma ressaltou que o impedimento do registro deve ser aplicado com cautela, considerando-se as especificidades de cada caso. Para que seja impedida a inscrição do nome do autor de ação de revisão em bancos de dados, é imprescindível que ele demonstre o efetivo reflexo da ação revisional sobre o valor do débito e deposite ou preste caução sobre o valor incontroverso. O Ministro Barros Monteiro ainda destacou que, para impedir a negativação do nome do autor nos serviços de restrição ao crédito, é necessária a presença concomitante de três elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado, o valor referente à parte tida por incontroversa (em notícias no site do STJ de 02.01.06).


6. Ação de revisão não impede liminar na busca e apreensão

Também é muito comum de o autor requerer tutela antecipada com o objetivo de ser mantido na posse de bens dados em garantia fiduciária, até o julgamento definitivo da ação revisional. Como regra, argumenta que, com a discussão judicial do débito através da ação revisional, resta ilíquida sua obrigação e descaracterizada a mora, o que justifica o deferimento de tal provimento, para manter-lhe na posse do bem alienado fiduciariamente até que sobrevenha decisão de mérito na ação. Esse argumento é em geral complementado por outro, no sentido de que a permanência na posse do bem não traz nenhum prejuízo para o banco réu, pois continua a existir a garantia do contrato, ficando ele (autor) como fiel depositário da coisa, com o dever de zelar por ela e impedido de vendê-la a terceiros. Já uma decisão em contrário, isto é, que permita a apreensão e transferência da posse para o banco, confere a ele o direito de vender o bem a terceiros, independentemente de leilão ou qualquer outra medida judicial, e, mesmo que a decisão final da causa lhe seja desfavorável (ao banco), não terá (ele, autor) como reverter essa situação. Acrescenta-se, ainda como argumento para a manutenção da posse, que o bem objeto do contrato constitui sua principal fonte de renda (do autor) e que depende dele para o prosseguimento de suas atividades empresariais.
Existem, é certo, uma série de arestos que no sentido de que o ajuizamento da ação revisional retira o caráter de liquidez da dívida, descaracterizando a mora do devedor e, por conseqüência, impedindo a utilização (pelo credor) da busca e apreensão. Destaco, dentre eles, um do Tribunal de Santa Catarina, de seguinte teor:

"Busca e apreensão. Cobrança excessiva de encargos. Mora não caracterizada. Alienação fiduciária. Constituição irregular. Extinção do processo principal.
A cobrança abusiva de encargos pelo credor-fiduciário, dificultando sobremaneira o pagamento da dívida, retira do devedor-fiduciante a culpa pelo inadimplemento, descaracterizando a mora debitoris, sem a qual não se admite ação de busca a apreensão prevista no Decreto-Lei n. 911/69.
A alienação fiduciária não pode servir de garantia a contrato ilíquido e incerto, pois do contrário sujeitaria o devedor-fiduciante à perda do bem alienado em decorrência de cálculos elaborados unilateralmente pela parte adversa" (AI n. 01.012117-4, rel. Des. Pedro Manoel Abreu).

Essa orientação jurisprudencial, de que a discussão dos encargos contratuais em juízo reflete de modo a tornar a dívida incerta, repercutiu no próprio STJ, de onde emanaram algumas decisões no mesmo sentido, como se observa:

"A cobrança de acréscimos indevidos importa na descaracterização da mora, de forma a tornar inadmissível a busca e apreensão do bem (2ª Seção, EREsp n. 163.884/RS, Rel. p/ acórdão Min. Ruy Rosado de Aguiar, por maioria, DJU de 24.09.2001). Carência da ação. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (STJ-4a. Turma, REsp 493379-RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 19.02.04, DJ 22.03.04).


Entretanto, essa posição sofre contestações naquela Corte superior, como revelam os acórdãos abaixo ementados:

"Ação de busca e apreensão. Ação declaratória. Suspensão do processo de busca e apreensão. Precedente da Corte.
1. Precedente da Corte assentou que o "simples ajuizamento de uma ordinária de revisão não tem o condão de impedir o curso normal da ação de busca e apreensão, com a liminar correspondente, certo que houve a necessária constituição em mora" (REsp nº 192.978/RS, da minha relatoria, DJ de 09/8/99).
2. Recurso especial conhecido e provido (STJ-3a. Turma, REsp 402580-MS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 10.09.02, DJ 04.11.02).

No mesmo sentido:

Ação de busca e apreensão. Mora do devedor. Liminar. Ações revisional e de sustação de protesto anteriormente ajuizadas. Embargos de declaração. Prequestionamento. Precedente da Corte.
(...)
3. O simples ajuizamento de uma ordinária de revisão não tem o condão de impedir o curso normal da ação de busca e apreensão, com a liminar correspondente, certo que houve a necessária constituição em mora, como assentado em precedente da Corte.
4. Recurso especial conhecido e provido (STJ-3a. Turma, REsp 192978-RS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 24.06.99, DJ 09.08.99).

O Tribunal de Justiça de Pernambuco se pronunciou recentemente sobre essa matéria, assentando em ementa:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PEDIDO DE SUSPENSÃO DE AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM FACE DA INTERPOSIÇÃO DE AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - IMPOSSIBI6LIDADE - PROCEDIMENTO EXECUTIVO LATO SENSU DO DECRETO LEI 911/66, QUE NÃO PODE SER SOBRESTADO PELA MERA PROPOSITURA DE AÇÃO ORDINÁRIA - POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DO PERIGO DA DEMORA INVERSO - AGRAVO IMPROVIDO À UNANIMIDADE DE VOTOS (TJPE-4a. Câmara Cível, Proc. n. 0086698-8, Agravo de Instrumento, rel. Des. Eloy D´Almeida Lins, ac. un., j. 09.06.04).

Essa última corrente, realmente, é a que expressa a melhor solução ao problema da concomitância da ação de revisão do contrato com a ação de busca e apreensão. Ao contrário de perder a liquidez, a dívida representada pela obrigação assumida contratualmente permanece válida enquanto não reconhecida, no procedimento mais largo, de cognição plena (a ação ordinária de revisão contratual), a abusividade da cobrança das parcelas financiadas e fixado exatamente o quantum que deve ser diminuído do valor exigido. O "fumus boni juris" permanece com o credor fiduciante, que tem a seu favor um contrato devidamente formalizado, podendo se utilizar dos instrumentos legais para reaver o bem dado em garantia ao pagamento da dívida. Num momento inicial, o que prevalece é a presunção de legitimidade da dívida no montante tal qual está sendo cobrada pelo credor, pois decorrente de contrato escrito. A simples alegação de que o contrato envolve cobrança de juros e taxas ilegais não é o bastante para que o magistrado desconsidere a segurança jurídica de um contrato escrito, o qual, em fase de cognição superficial, é que tem de prevalecer.
Se, na ação ordinária, ficar reconhecido que o autor pagou mais do que devia, a própria sentença pode determinar a restituição ou, se de conteúdo meramente declaratório, pode ser buscada em outra ação a repetição do indébito. Além disso, o direito do autor de permanência na posse do veículo financiado não fica irremediavelmente prejudicado ante a simples possibilidade da ameaça de promoção da ação de busca e apreensão. Quando esta for de fato promovida, pode realizar a purga da mora das prestações em atraso, desde que o faça obedecendo aos valores fixados no contrato. Eventuais abusos e ilegalidades na cobrança de juros e outras taxas contratuais podem ser reprimidos pelo Juiz no próprio procedimento da busca e apreensão, sabendo-se que ele tem o poder de, ao autorizar a purga da mora, ajustar o contrato aos termos da lei, definindo os parâmetros para elaboração do cálculo(2). Com efeito, na ação de busca e apreensão (Dec. Lei nº 911/69), o juiz, ao autorizar a purgação da mora, pode, de ofício, ajustar o contrato de alienação fiduciária aos termos da lei e do Código de Defesa do Consumidor, firme no princípio de que são de ordem pública as normas que disciplinam os contratos que consubstanciam relação de consumo (art 1º CDC). Neste sentido, são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça (RESP nº 90162/RS, AGEDAG 151689/RS e AGRG 506.650/RS).
Com essas considerações, temos negado pedido de tutela antecipada para manutenção da posse do autor de ação revisional sobre o bem financiado. A propósito do tema, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco emitiu o Enunciado n. 26, de teor seguinte:
"O simples ajuizamento de uma ação ordinária de revisão do contrato de alienação fiduciária não tem o condão de impedir o curso normal da ação de busca e apreensão, com a liminar correspondente".

Ressalte-se que, mesmo que se trate de ação consignatória (e não ação revisional), o ajuizamento dela também não prejudica liminar em ação de busca e apreensão. O devedor pode até tentar através desse tipo de ação evitar a perda da posse do bem alienado fiduciariamente, mas o deferimento inicial (pelo Juiz) do depósito das parcelas vencidas não implica na eliminação da mora, não tornando, portanto, inviável a liminar de busca e apreensão (no outro processo).
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontramos indicativos de que essa Corte tentou inicialmente resolver esse problema pelo critério temporal, isto é, a prévia distribuição de uma ou outra ação prejudicaria o pedido na subseqüente. Ajuizada previamente a consignatória, com o depósito das parcelas na forma pretendida pelo autor, não se poderia deferir liminar na ação de busca e apreensão que se lhe seguisse. Representa essa corrente acórdão da lavra do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim ementado:

"Ajuizada ação consignatória antes de intentada a ação de busca e apreensão, com depósito das prestações consideradas devidas, não cabe deferir medida liminar de busca e apreensão" (Resp 489564-DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, ac. j. 17.06.03, DJ 25.08.03).

Já em outro julgado encontramos o argumento, também utilizado para obstar a liminar na busca e apreensão, de que a comprovação da mora ou inadimplemento fica "na dependência do julgamento da ação de consignação em pagamento", o que justifica a suspensão do primeiro processo até que este último seja concluído (REsp 346240-SC, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 04.11.02).
Ambos os julgados, todavia, não expressam o melhor entendimento sobre o tema. Primeiramente porque não se trata apenas de uma questão temporal, de definir qual das ações precedeu à outra. Se fosse assim, quem quisesse evitar a perda da posse de bem alienado fiduciariamente bastaria ajuizar uma ação consignatória, depositando valores a seu exclusivo critério. Por outro lado, o simples ato de depósito das prestações não significa pagamento. A eficácia de pagamento fica a depender do juízo posterior que o julgador faz a respeito do montante devido. É com a manifestação judicial sobre a causa que se produzem os efeitos próprios de pagamento; antes disso o que se tem é mero ato unilateral do depositante. A eficácia de pagamento, repita-se, decorre da sentença, e não do simples depósito. Assim concebida a questão, vê-se que a definição do direito na busca e apreensão não tem que esperar o julgamento da consignatória, não ficando obstaculizado o deferimento da liminar nem suspenso aquele processo. Nesse sentido, trago a exame julgado do STJ que expressa esse entendimento:

"Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Consignação.
O ajuizamento de ação consignatória não conduz, necessariamente, a que fique impossibilitado o deferimento liminar da busca e apreensão (STJ-3a. Turma, REsp 221903-RS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 30.09.99, DJ 07.02.00).

Ao sustentar seu posicionamento, o relator destacou que a consignatória não impede o processamento (inclusive com o deferimento liminar) da busca e apreensão porque o depósito (feito naquela primeira ação) não tem eficácia de pagamento. Disse ele:

"Enquanto não houver sentença, com trânsito em julgado, declarando que o depósito efetuado satisfaz o que seria exigível, aquele terá sido apenas um ato unilateral do devedor. Dele não se pode concluir esteja a mora afastada. Assim fosse, bastava efetuar um depósito qualquer para impedir a ação do credor".

Um outro argumento pode ser somado à tese de que a consignatória, ainda que ajuizada previamente, não impede o prosseguimento da busca e apreensão (e sua liminar). Com efeito, entendimento em contrário consiste em retirar a utilidade desta ação, tornar inócuo o procedimento que o sistema jurídico conferiu ao credor fiduciário para a retomada imediata do bem. Sem poder utilizar-se do procedimento específico que a lei lhe confere, na prática o próprio direito de ação resta prejudicado:

"CIVIL/PROCESSUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. CONSIGNATÓRIA.
A ação fiduciária se desenvolve a partir da efetivação da busca e apreensão, liminarmente deferida, a partir da prova da mora do devedor alienante, pelos meios previstos na lei. Ação consignatória em pagamento, proposta pelo devedor em mora, não tem a virtualidade de impedir que se efetive a busca e apreensão do bem alienado, começo de execução do contrato, sem contrariar o art. 3o. do Decreto-lei 911/69, que institui o devido processo legal para a espécie" (REsp n. 13.959/SP, rel. Min. Dias Trindade, DJ de 02.12.91).

Sobre o tema, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco emitiu o Enunciado n. 28, com a seguinte redação:

"O ajuizamento de ação consignatória não conduz, necessariamente, a que fique impossibilitado o deferimento liminar da busca e apreensão" (maioria)


7. Valor da causa na ação revisional

O valor da causa em ação de revisão de contrato bancário deve corresponder ao valor do próprio contrato, nos termos do art. 259, V, do CPC, ou deve representar o benefício econômico que o autor espera obter? Se deve equivaler ao benefício econômico, como quantificá-lo nos casos e que o autor não fornece meios para se identificar o valor real da demanda, o resultado econômico que espera alcançar? Como se exigir do autor a definição de valor real da causa quando alega que, somente depois de ser revisado o contrato e expungido dele a cobrança de encargos abusivos - o que exige inclusive a realização de perícia técnica - é que terá condições de definir com precisão o conteúdo econômico da lide?
É preciso se oferecer correta interpretação à regra do inc. V do art. 259, do CPC, no sentido de que supõe que o litígio envolva o negócio jurídico por inteiro, não se devendo exigir, como valor da causa, o preço total do contrato em demandas onde não se pede a execução da totalidade do contrato. Por oportuno, transcrevo ementas de alguns julgados que esposam esse entendimento:

"A modificação a que alude o inciso V do art. 259 do CPC, que determina haja correspondência entre o valor da causa e o do contrato, só pode ser entendida como aquela que atinja o negócio jurídico em sua essência, e não apenas algumas de suas cláusulas, pois, do contrário, o valor da causa acabaria superando o real conteúdo econômico da demanda, o que não é admissível (STJ, 3ª Turma, Resp. 129.835-RS, rel. Min. Costa Leite, j. 26.5.98, DJU 3.8.98, p. 222).

"Quando a controvérsia não açambarca o contrato por inteiro, mas apenas um dos seus itens, aplica-se o art. 260, do CPC, e não o art. 259, V, do mesmo diploma legal" (Resp. 67.765, 1ª Turma, DJU 8.12.95).

A ação em que o autor pede a revisão de um contrato bancário não envolve o contrato por inteiro, referindo-se apenas a determinadas obrigações, dentre outras estipuladas, daí porque não pode o valor da causa corresponder ao valor global da avença. Nesse tipo de ação, o valor da causa deve equivaler à diferença entre o valor exigido pelo banco e aquele que o autor entende como devido. Nesse sentido:

"VALOR DA CAUSA. Ação de revisão de contrato bancário.
O valor da ação de revisão de contrato que conteria cláusulas abusivas deve corresponder à diferença que o autor pretende abater do total exigido pelo credor. Recurso conhecido e provido, para afastar como valor da causa a quantia que o banco apurou como sendo o valor do débito" (STJ-4a. Turma, REsp 450631-RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 05.12.02, DJ 10.02.03)

Essa jurisprudência acima transcrita, no entanto, tem aplicação para as hipóteses de ação revisional de contrato em que o autor, de logo, fornece os parâmetros para definição do conteúdo econômico da demanda. Em alguns casos, ocorre de o autor juntar uma perícia contábil sobre os cálculos da dívida, realizada por expert que ele mesmo contrata, já com a inicial. Nessas hipóteses, pode indicar o valor que entende como devido, e a diferença entre este e o valor cobrado pelo banco é que deve ser tomado como valor da causa, pois corresponde ao benefício econômico que espera almejar com o ajuizamento da demanda. Em outras situações, no entanto, o consumidor-autor vem a juízo reclamar a revisão do contrato bancário pura e simplesmente, sem qualquer elemento inicial ou parâmetro de redução da dívida, cuja definição fica a depender da conclusão do processo de revisão (às vezes com necessidade de realização de perícia técnica por perito do juízo). Nessas hipóteses, alega não poder determinar no limiar do processo o exato conteúdo econômico da demanda, e indica valor ínfimo para fins "meramente fiscais", como valor da causa.
Não se deve permitir, no entanto, que o autor de ação de revisão de contrato bancário deixe de fornecer valor da causa correspondente ao benefício econômico que espera obter, porquanto à toda causa deve ser atribuído um valor certo, conforme preceitua o art. 258 do CPC. Para traduzir a realidade do pedido, necessário que corresponda à importância perseguida.
A ação de revisão de contrato bancário não se assemelha àquelas causas em que é impossível para o autor fixar, desde logo, no início da demanda, o valor exato que corresponda à tutela pretendida. Em causas em que não se pode determinar antecipadamente o benefício econômico perseguido, é lícito permitir que o autor complemente o valor das custa ao final, quando já estabelecido na sentença a definição do real conteúdo econômico da demanda. É a hipótese, por exemplo, das ações que envolvem discussão sobre dano moral, onde o autor não tem como fixar o valor exato que corresponda à tutela pretendida, até porque a indenização, nesses casos, é arbitrada pelo juiz, segundo seu prudente arbítrio. Assim, nada impede que o autor atribua outro valor, mesmo diferente do que entende lhe ser devido(3), pois pode ao final complementar as custas, se vencido, ou estas serem suportadas pelo réu no montante global, depois de indicada na sentença o valor da indenização.
Na ação de indenização por dano moral puro, realmente, ao autor pode ser concedido o benefício de indicar um valor da causa provisório, pela razão de que a fixação do quantum indenizatório só depende do Juiz. A definição do valor do dano moral, conforme estabelecido pela doutrina e jurisprudência, fica ao exclusivo arbítrio do Juiz, que se serve apenas de alguns parâmetros para essa definição. O autor de ação de dano moral, por essa razão, não está obrigado a indicar o quantum do dano moral em relação ao qual espera ser indenizado, podendo dar à causa valor simbólico. Não tem meios para definir antecipadamente o conteúdo econômico da demanda, até porque este pode variar muito dependendo das convicções pessoais do Juiz.
o autor de ação de revisão de contrato bancário, ao contrário da situação acima explicada, tem perfeitas condições para expressar antecipadamente o real valor econômico da demanda. Como está obrigado a identificar previamente as cláusulas que entende nulas(4), e quanto isso representa em termos de diminuição dos encargos da dívida, tem meios para, sem maiores esforços, determinar a expressão econômica da demanda, o valor que pretende ver reduzido da dívida. Diferentemente da ação em que se pede indenização por dano moral, o devedor tem que de alguma maneira suprir o processo com indicativos da plausibilidade do direito invocado, o que geralmente se faz por meio da entrega de uma planilha ou memória discriminada de cálculo, contendo a evolução da dívida, os critérios de correção e índices adotados, de modo a chegar ao valor devido. É com base nessa planilha ou esboço de cálculo, demonstrativa da tese jurídica, que o devedor tem possibilidades de extrair o significado econômico da lide, ao qual corresponde o valor da causa.
Se a parte autora de uma ação revisional não indica o benefício econômico exato que espera obter com o julgamento, então, o valor da causa, para efeito de custas, deve ser o do preço integral do contrato. Até para fins de política judiciária, não se deve permitir que o devedor indique um valor simbólico, como valor da causa. Não se deve admitir que o autor recolha valor ínfimo a título de custas judiciais para, só depois de fixado na sentença o acertamento econômico do contrato, se exigir da parte vencida o pagamento das custas pelo total, tomando-se por base eventual valor de redução da dívida. Isso dá margem a evasão de tributos - a taxa judiciária tem natureza tributária -, pois a prática demonstra que, quase sempre, os juízes não tomam o cuidado de verificar obrigação de complementação das custas em fase ulterior do processo. Além disso, é no início do processamento da causa que a parte se vê mais premida a pagar custas, pois sem o pagamento antecipado o feito não é processado e ela não recebe a tutela jurisdicional (muitas vezes liminar para retirada de seu nome de cadastro negativo). Por essas razões, não se deve permitir que o autor de uma ação revisional indique, como valor da causa, quantia simbólica, devendo o Juiz, em ocorrendo tal hipótese, determinar que complemente as custas pela importância equivalente ao valor integral do contrato.


8. Impossibilidade de revisão de contratos anteriores no âmbito dos embargos do devedor

É certo que, havendo confissão de dívida ou renegociação contratual, o novo contrato não fica indene (no que tange à sua validade) à apreciação judicial, nem tampouco os contratos anteriores dos quais resultou a dívida no último estágio. Na hipótese de relação financeira continuativa, que se processa através de contratos encadeados, resultando em confissão de dívida na qual se confirma cláusulas e condições anteriores, a investigação judicial abrange a relação como um todo. Essa possibilidade inclusive já consta da Súmula do STJ, verbete 286, de teor seguinte: "A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores".
É de se notar, no entanto, que o exame de forma retroativa (incidente sobre os contratos originários) somente pode ser viabilizado em sede de ação revisional. Diga-se, aliás, que os precedentes jurisprudenc

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