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O CNMP NA MÍDIA: jetons para vender jornais


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou, no dia 28 de novembro, o pagamento de jetom para os integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público. A lei aprovada pelo Congresso previa aumento de 12% nos vencimentos de conselheiros, dos atuais R$ 23,2 mil para R$ 28, 8 mil. Este valor ultrapassa o teto salarial do funcionalismo público, fixado em R$ 24,5 mil. “Foi assim que um “grande jornal” brasileiro noticiou, em tom de comemoração, o veto do presidente da República ao PL 101/06, na parte que tratava da retribuição dos membros do conselho.

Com algumas variações, foi nessa linha à cobertura feita pela maioria dos órgãos de imprensa, sobre tema recorrente há quase quinze dias. Em interessante ensaio, Tolkien registrou que “a mente humana é capaz de formar imagens mentais de coisas que não estão presentes de fato, faculdade chamada de imaginação”. Às vezes, adverte o brilhante criador dos hobbits, busca-se perverter a imaginação “ao poder de dar a criações ideais a consistência interna da realidade”.

Se esse tipo de operação pode ser condenado, como faz o escritor, na construção de obras ficcionais, o que dizer de seu uso em matérias jornalísticas, que deveriam ter por função informar fatos? Pois bem. Ressalvado o veto presidencial, a notícia acima transcrita não traz uma única informação que reflita a realidade.

Em primeiro lugar, os conselheiros não recebem vencimentos pela atuação no CNMP. Aliás, há um ano e meio, os membros do CNMP vêm exercendo suas funções (foram 30 sessões, quase mil processos apreciados, quase duas dezenas de resoluções, notas técnicas e enunciados produzidos, sobre temas da maior relevância) sem receber, por isso, nem um centavo, quanto mais “os atuais R$ 23,2 mil”, informados na matéria. Os membros que são promotores, procuradores e juízes, recebem, isto sim, subsídios pelo exercício dos seus respectivos cargos. Se não há vencimentos correspondentes ao exercício do cargo de conselheiro, como poderiam ser aumentados em 12%?

O percentual de 12% sobre o subsídio de subprocurador-geral da República foi eleito pelo CNMP, quando da elaboração do projeto de lei para remunerar a participação dos conselheiros nas sessões - como ocorre no âmbito do TSE, por exemplo, limitadas a duas mensais. O valor, hoje, equivale a R$ 2,7 mil. Assim, no máximo, os conselheiros receberiam, mensalmente, R$ 5,5 mil, se houvesse duas sessões no mês e se comparecessem a ambas. Não custa dizer que em sete dos dezoito meses de existência do CNMP houve apenas uma sessão.

A despesa máxima mensal, considerada a retribuição de todos os conselheiros, seria de R$ 78, 4 mil. Se os conselheiros não recebem os R$ 23,2 mil, como se pode afirmar que passariam a receber,com o pagamento da gratificação, R$ 28,8 mil? Há membros do conselho que sequer têm vínculo com a administração. Chegaria, assim, a R$ 5 mil, no máximo. Há juízes e membros do Ministério Público de primeira instância e procuradores de segunda instância que não recebem, pelo exercício de tais cargos, R$ 23,2 e jamais chegariam aos R$ 28, 8 mil.

A rigor, apenas dois integrantes do conselho recebem R$ 23, 2 mil. Caso recebêssemos R$ 5 mil ultrapassariam, de fato, o teto de R$ 24, 5 mil. Ocorre que o procurador-geral da República, que preside o conselho, apressou-se em informar que o pagamento da gratificação seria limitado ao valor do teto.

O erro ou a má intenção, engendrados pela aversão que parece inspirar parte da mídia, não são a única causa dessa confusão. Há, ao que parece, o intuito de fragilizar o conselho nacional, órgão de controle do Ministério Público, e arranhar a boa imagem que construiu junto à opinião pública, por exemplo, com sua ação contra o nepotismo e excessos remuneratórios. Ninguém poderia imaginar, contudo, que para isso contassem com a participação do governo. Mas foi o que aconteceu.

A mensagem de veto do presidente da República, a exemplo da matéria jornalística, constitui peça de ficção. Verdadeiro desafio à criatividade dos competentes técnicos do Ministério da Justiça. Para justificar o injustificável veto, “por inconstitucionalidade”, ao artigo 9º do PL, o presidente se valeu de três argumentos:

1) há risco de interpretação de que a gratificação seria paga sem observância do teto constitucional

2) a referência a “valor equivalente” levaria à alteração do valor da

gratificação sempre que aumentasse o subsídio de subprocurador-geral da República

3) não há previsão de recursos para custear a despesa criada.

Risco de interpretação? Com este argumento – verdadeiro exercício de “futurologia”, todos os projetos de lei haveriam de ser vetados. Porque não há uma única lei que não admita interpretações díspares pelos operadores do direito. De qualquer forma, trata-se de argumento insincero, porque já informados, pelo presidente do CNMP, de que o pagamento da gratificação estaria limitado ao teto constitucional. O segundo argumento é curioso. Um mês atrás, o presidente da República sancionou o PL que fixava a remuneração dos membros do CNJ em valor “equivalente ao subsídio de ministro de Tribunal Superior”.

Aqui o uso da expressão “equivalente” não foi tomado como ameaça de vinculação remuneratória? Por fim, a previsão orçamentária.

Parece brincadeira falar em inexistência de recursos para custear a despesa de R$ 78 mil mensais, quando há previsão de R$ 93 milhões no orçamento, como menciona a própria mensagem de veto.

Há quinze dias, antes de a imprensa deformar a opinião pública com notícias como a aqui analisada, o projeto de lei seria sancionado, sem vetos, tranqüilamente. Tanto assim que foi aprovado no Congresso,

em regime de urgência, em votação unânime. Porque, como visto, nele não há nada que ofenda a Constituição. Mas o governo se deixou pautar pelo noticiário.

É claro que os membros do CNMP continuarão, serenamente, a exercer as suas funções. O fato de não serem remunerados por isso não terá, como nunca teve, relevância, que ninguém quer fazer do conselho meio de vida, profissionais bem-sucedidos que são, todos. Mas se a imprensa se preocupa, antes, em vender jornal e não informa a sociedade com fidelidade aos fatos e isenção; se o governo se aproveita desse expediente – que tanto condena, de que tanto se diz vítima, a ponto de falar em conspiração — para fazer proselitismo político, os conselheiros do Ministério Público não podem deixar de repelir as fantásticas matérias jornalísticas e lamentar a tibieza governamental.

Sobretudo, não podem deixar de declarar que, absolutamente, não lhes serve o figurino de irresponsabilidade, esperteza e ganância que lhes querem desenhar.


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