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Erros Diplomáticos


O saudoso embaixador Roberto Campos dizia que a diplomacia é a arte de ver antes, não necessariamente de ver mais, e nunca ver demais. Tudo indica que este, assim como outros ensinamentos, foram deixados de lado pelos responsáveis pela política externa do Brasil. Tudo leva a crer que nossa diplomacia está vendo demais, acreditando que nosso país se encontra fortalecido na esfera internacional. Os episódios recentes esboçaram outra realidade. Nossa política externa mostra-se suscetível a posições ideológicas de seus líderes e, como conseqüência, com ausência de resultados vantajosos reais para a população.

A fissura apresentada pelo governo na última semana é sintomática. Há uma clara divergência estratégica na condução das negociações comerciais internacionais das quais o Brasil faz parte. Há um grupo que prima por uma negociação pragmática, que gere benefícios para o país, seja no plano multilateral ou bilateral. Outra parcela do governo, contudo, parece estar presa a amarras ideológicas que engessam nossa capacidade negociadora, pois se torna refém de posições hostis que somente nos remetem a uma condição de isolamento no plano externo.

Nossa diplomacia deveria usar mecanismos inteligentes negociadores, ao invés de tentar enfrentar países, blocos e interesses simplesmente em função de questões ideológicas. Podemos usar diversos meios para alcançar sintonia em matérias importantes para o Brasil, como troca de apoios em outros organismos internacionais no intuito de construir uma relação aprazível com países que podem se tornar (ou já são) importantes parceiros comerciais do país. O incremento das boas relações com nações relevantes é um mecanismo estratégico para o desenvolvimento das mais variadas questões, seja no âmbito da Alca, OMC, bem como em outros fóruns.

A posição de nossa chancelaria muitas vezes transparece dubiedade. Tomemos a questão dos Direitos Humanos. Como podemos nos declarar defensores de tais direitos, invocar tal argumento em relação a operação aliada em curso no Iraque, se ao mesmo tempo defendemos, apoiamos e reconhecemos a legitimidade de um regime de exceção totalitário em Cuba, que viola os Direitos Humanos há mais de quatro décadas? Uma diplomacia séria não pode usar dois pesos e duas medidas, especialmente em assuntos de tamanha importância.

Entretanto, no que tange a área de negociações comerciais, o Brasil tem se apresentado de maneira não satisfatória nos fóruns internacionais. Comemorou-se a posição, ou suposta liderança, de nosso país na reunião da OMC em Cancún. Se tal liderança existiu, não durou muito, pois o grupo encabeçado pelo Brasil não pára de apresentar defecções, especialmente entre parceiros da América do Sul, como Peru e Colômbia. O G-20 já é chamado de G-12. Outro equívoco situa-se em comemorar uma espécie de vitória em Cancún. Ora, não houve vitória alguma, para qualquer dos lados, visto que não se avançou no sentido de eliminar barreiras que impedem o livre-comércio, a circulação de riquezas, e por conseqüência, a geração de empregos. Quem mais saiu perdendo foram os países pobres.

Com o fracasso de Cancún, esperava-se avanços em Trinidad e Tobago, onde o Brasil participou de mais uma etapa de negociação da Alca. Lá, o Itamaraty atuou de forma rígida e intransigente, mantendo-se distante de outras áreas do governo e da iniciativa privada, ressaltou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. A Câmara de Comércio Exterior do Brasil, Camex, sequer recebeu cópia do documento levado a Trinidad e Tobago, ressaltou ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, que tem se inteirado das negociações pelos jornais. O Brasil finalmente conseguiu unir as Américas, infelizmente, contra si próprio, visto que até parceiros do Mercosul, como Uruguai e Paraguai se colocaram em posição contrária a nossa diplomacia. "Precisamos voltar a negociar de maneira civilizada", afirmou a mais representativa entidade empresarial do país, a Fiesp.

Depois da crise gerada pelas atitudes do Itamaraty, esboçadas por outros dois ministros e uma reunião com o presidente Lula, o chanceler Celso Amorim, indagado sobre a posição da cúpula do MRE, alegou: "A cúpula do Itamaraty sou eu". Sejamos realistas. Embates com países mais fortes somente trarão malefícios para a população brasileira, que será penalizada em razão do isolamento para o qual o Brasil caminha. Devemos ser inteligentes, usar outros fóruns no intuito de negociar de maneira eficaz. Aos brasileiros interessam melhores condições vida que se viabilizarão mediante um comércio internacional mais livre e não um assento no Conselho de Segurança da ONU.

Artigo redigido em 12.10.2003
Em Brasília, DF.

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