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Discurso do Pres. do STJ sobre a Reforma do Judiciário, perante a CCJ do Senado (dia 10.09.03)


Autor: Nilson Naves - Fonte: STJ

AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE A REFORMA DO JUDICIÁRIO*

Ministro Nilson Naves
Presidente do Superior Tribunal de Justiça
e do Conselho da Justiça Federal

Senhores Senadores, encontrando-me em ambiente tão propício a debates, sinto-me plenamente realizado. Antes de tudo, esta é uma Casa que prima pelo diálogo, pela conversação em torno de idéias, de filosofias, de procedimentos etc., debates e conversações tendentes sempre a ressaltar o bem comum e a alcançar fins sociais. É uma honra, em nome do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal, poder, dessa maneira, contribuir, uma vez mais e de modo mais eficaz, para levar à frente a projetada e tão esperada reforma do Judiciário.

Começarei pela corte constitucional, se ela é ou não necessária, parecendo-nos que sim, sem dúvida alguma, em decorrência da criação do Superior Tribunal de Justiça.


I – Da corte constitucional

Ao apresentar a Emenda 00047 em 1987, dizia o constituinte Daso Coimbra (PMDB/RJ) que a criação do tribunal constitucional não era, dele, nenhuma fantasia, nem representava atitude inconseqüente. Ela é, acrescentava o parlamentar, "a consubstanciação de sete anteprojetos, dezenas de sugestões e emendas que visam aperfeiçoar o sistema de controle da constitucionalidade das leis no Brasil". Vejam bem: "aperfeiçoar o sistema de controle".

A propósito dessa idéia, que sempre se me afigurou das melhores, poderia citar dezenas e dezenas de opiniões. Limito-me, no entanto, a três. Numa mesa-redonda dos anos sessenta na Fundação Getúlio Vargas, já dizia Caio Mário, referindo-se a Seabra Fagundes e a Frederico Marques, que era fundamental tivesse o Supremo a sua competência reduzida, "de forma a ficar como o grande tribunal das questões constitucionais", ao passo que o controle de legalidade ficaria então com outro tribunal (naquele momento já se propunha a criação do Superior Tribunal de Justiça).

Na vigência da atual Constituição, disse Dalmo Dallari que, embora a competência precípua do Supremo seja a guarda da Constituição, o excesso de competências e de feitos fez "submergir a guarda da Constituição", daí sua asseveração: o Supremo "deverá ser transformado em corte constitucional, ficando apenas com as competências que dizem respeito, diretamente, à interpretação da Constituição" (grifei).

Também depois de 1988, a Desembargadora fluminense Áurea Pimentel escreveu se esperava que desse a atual Constituição ao Supremo "a característica exclusiva de uma corte constitucional, o que, todavia, não aconteceu, atribuído que foi àquele Tribunal enorme leque de competências...".

De fato, aguardava-se que a Constituição de 1988 criasse a corte constitucional, porquanto, para a matéria infraconstitucional, estava criando o Superior Tribunal de Justiça. Por si só, a criação do Superior implicava o rompimento com o modelo que disciplinara o nosso Judiciário desde o início da República. Naqueles primeiros momentos, como se sabe, filiávamo-nos ao modelo norte-americano. Por exemplo, entre tantos outros comentários, confira-se Carlos Maximiliano (Comentários..., 1923, pág. 539):

"O projecto mais apreciado, que adquiriu maior prestigio, foi o Werneck-Pestana. Estipulava:
‘Art. 129. O poder judiciario federal será exercido por um supremo tribunal de justiça e por tantos juizes singulares ou tribunaes inferiores, quantos o Congresso julgar conveniente crear, etc.’
É quasi copia do texto norte-americano:
‘O poder judiciario dos Estados Unidos será conferido a uma Côrte Suprema, e a tantos tribunaes inferiores quantos o Congresso for de tempos em tempos ordenando e estabelecendo.’
Naquella época estava travado debate a respeito do significado das palavras – tribunaes inferiores, na republica de Washington...."

Decerto nos aproximamos, com a instituição do Superior, mais do modelo europeu – isto é, de uma corte eminentemente constitucional e de um tribunal eminentemente infraconstitucional. As competências desses tribunais não hão de se misturar, pois o tribunal infraconstitucional haverá de ser de tal modo que as suas decisões serão irrecorríveis, sempre e sempre. Em outras palavras, um tribunal decidindo questões apenas constitucionais e o outro, ressalvadas as jurisdições especializadas, cuidando de toda a matéria infraconstitucional, sobre ela se pronunciando de uma vez por todas, ou seja, irrecorrivelmente.

Sucede, entre nós, que os constituintes não criaram a corte constitucional, nem de sua instituição se vem cuidando na atual proposta de alteração da estrutura do Judiciário (na Câmara, PEC nº 96-D, de 1992; no Senado, PEC nº 29, de 2000).

Sem dúvida, relativamente às competências constitucionais (instância de superposição), a melhor das soluções seria o estabelecimento de uma corte constitucional (a melhor das melhores talvez fosse a transformação do Supremo em corte eminentemente constitucional – ver, dentre outros, Dalmo Dallari, "Uma Corte Constitucional para o Brasil", já citado).

II – Da purificação do atual sistema

A única forma de organizar definitivamente o Judiciário é reestruturá-lo com a criação da corte constitucional, a partir do que se adotará um sistema judiciário mais adequado à nossa realidade. Lembro-me agora do pronunciamento que fiz por ocasião da minha posse na presidência do Superior, quando afirmei estar disposto até a entregar as chaves do Tribunal a quem de direito, caso não se reconhecesse, aperfeiçoando-se os textos vigentes, ter sido ele criado para zelar pela guarda da lei federal, decidindo, repito, de modo irrecorrível quanto ao contencioso infraconstitucional, ressalvada a competência da Justiça especializada. Se não foi com esse intento que foi instituído, é melhor que tenha cerradas as suas portas e que então retornemos ao passado (ao modelo de 1891).

Enquanto não se realiza a idéia de corte constitucional, objetiva e tipicamente, impõe-se seja purificado o atual sistema de distribuição de competências (Supremo e Superior), exigindo-se, conseqüentemente, algumas modificações no texto constitucional por duas principais razões: (I) dar maior segurança à jurisprudência e (II) evitar o quarto grau de jurisdição, contribuindo, dessa forma, para apressar os passos dos processos. Reparem que sempre foi preocupação de inúmeros comentários desde aqueles primeiros à Constituição de 1891 evitar que o Supremo se transformasse em terceira instância (exemplos: "Pode-se evitar a terceira instância", Maximiliano; "... de forma a ficar como o grande tribunal das questões constitucionais", Caio Mário, Seabra e Frederico Marques). No entanto estamos vivendo hoje o espetáculo de contar não com os indesejáveis três, mas com os já quatro graus de jurisdição. Não era isso, todos estamos convencidos, o que os constituintes desejavam, tanto os de 1891 quanto os de 1988.

Propusemos, então, se alterasse o texto do art. 102, I, i, e se cancelasse o inciso II do mesmo artigo ou se lhe desse outra redação. Com certeza, em termos de purificação, haveria ainda de vir a pêlo iniciativa no sentido de explicitar que os pressupostos de admissibilidade do recurso especial não são objeto de reexame por outro tribunal. Todavia sugestão com esse norte não foi por nós apresentada oportunamente. Se ainda existisse oportunidade de apresentação, decerto por nós tal oportunidade não seria perdida.

Vejam o que estamos propondo. Consoante o texto atual do art. 102, I, i, ao Supremo compete processar e julgar, originariamente, o habeas corpus "quando o coator for Tribunal Superior ou...". Para esse dispositivo propomos a seguinte redação: "quando impetrado com fundamento constitucional contra ato de Tribunal Superior, ou...". Ora, pretenderam os constituintes deixar nas mãos do Supremo a matéria constitucional exclusivamente. A respeito disso, leia-se o que dispõe o art. 102, caput. Quanto ao Superior, foi o Tribunal criado – é o que se supõe, visto que hipótese diferente torna sem sentido a sua criação – para ter em suas mãos toda a matéria infraconstitucional (o direito comum, "que se aplica em caráter de generalidade a uma série de relações jurídicas..."), tê-la de modo que as suas decisões sejam irrecorríveis nesse aspecto. Por conseguinte, não se justifica que o Supremo Tribunal venha a conhecer, pelo habeas corpus, de matéria ordinária. Somente lhe é dado conhecer de matérias constitucionais pelo recurso extraordinário, podendo, ao certo, delas conhecer pelo habeas corpus. Não nos parece lógico – e aqui a insurgência de todos – possa o Supremo, pelo habeas corpus, também conhecer de questões ordinárias (de direito comum). Virá em bom momento a alteração proposta, evitando ainda o surgimento de uma quarta instância para a matéria infraconstitucional, assim: juiz, tribunal de segundo grau, Superior e Supremo.

Ao Supremo, outrossim, compete julgar, em recurso ordinário, em conformidade com o art. 102, II, a, "o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão". Aqui, temos duas propostas: ou se elimine o inciso II, pura e simplesmente, ou se admita o recurso ordinário apenas quando fundado em matéria constitucional, passando o crime político, numa e noutra hipótese, para a competência do Superior. Vejam que, se compete ao Supremo, precipuamente, a guarda da Constituição, há de competir aos Tribunais Superiores (mormente ao Superior Tribunal de Justiça), essencialmente, a guarda das leis federais. Existem dois contenciosos: um da Constituição e outro das leis federais; aquele, pertencente ao Supremo, e este, aos Tribunais Superiores. Por isso não é razoável possa o Supremo, a par de zelar pela Constituição, também decidir sobre as leis federais. Entre as duas propostas, a preferência é pela que sugere a eliminação do mencionado inciso, pura e simplesmente, por ser mais conforme às regras da lógica.

De outra parte, o conflito entre lei local e lei federal, ao nosso ver, resolve-se no plano infraconstitucional. Ora, o tribunal desse contencioso é o Superior. Portanto se nos afiguram sábios os textos atualmente constantes dos arts. 102, III, c, e 105, III, b. Nossa proposta é categórica: sejam eles mantidos, de sorte que caiba ao Supremo a contestação em face da Constituição, e ao Superior, em face de lei federal.

Caso, porém, se resolva mexer nessas competências, que se reserve ao Superior, ao menos, "o ato de governo local contestado em face de lei federal": assim, ao Supremo, a lei local; ao Superior, o ato de governo local.
Além disso, estamos propondo se exclua do art. 102, I, o, a cláusula "entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais", de um lado, porque não há conflito entre o Superior Tribunal e tribunal de segundo grau; de outro, porque o conflito entre o Superior Tribunal de Justiça e qualquer Tribunal Superior já se acha incluído na cláusula "entre os Tribunais Superiores". A alínea o ficaria com esta redação: "os conflitos de competência entre os Tribunais Superiores e entre o Tribunal Superior Eleitoral e qualquer outro tribunal ou juiz".

III – Da explosão judiciária (elevado número de processos)

Quando foi instalado, em 1989, o Superior Tribunal de Justiça autuou 6.322 processos e julgou 3.711. No ano seguinte, já autuava 14.380. Em 2002, recebeu 206.995. Em seus quatorze anos de vida útil e majestosa, mas também de vida sufocante e cansativa, o Superior já se debruçou sobre mais de um milhão de processos. As estatísticas indicam, levando em consideração todos os dias do mês e todas as horas do dia, que, a cada dois minutos, é recebido no protocolo do Superior um processo.

Diante de tal quadro, perguntamos: há condições físicas e intelectuais para os julgadores darem conta de tão extraordinária e tão exasperante tarefa? Perguntamos, ainda: o Superior Tribunal foi, de fato e de direito, instituído para cuidar de um sem-número de causas, tanto das questões federais de maior repercussão quanto das de menor repercussão? É necessário ter interesse para propor ação, porém, em inúmeras ações, o interesse se limita apenas ao das partes, não transcende a elas e não repercute na sociedade. Não se justifica a atuação do Superior, por exemplo, quando as partes estiverem discutindo o valor do aluguel de coisa locada. Seria diferente se a discussão versasse sobre o índice de correção do aluguel; aí se justificaria a sua atuação, dada a repercussão federal.

Um dos grandes tormentos do Supremo Tribunal – já na segunda década do último século – foi o excesso de trabalho. Em 1918, vejam, já escrevia Maximiliano ser necessário "aliviar a Corte Suprema do excesso de trabalho, de que não dá conta". Em 1964, dizia Victor Nunes, comparando dados dos anos de 1950 e 1962 (3.511 e 7.437 processos): "Quando um Tribunal se vê a braços com esse fardo asfixiante, há de meditar, corajosamente, sobre o seu próprio destino." Naquele momento, Victor defendia a adoção, no Supremo, da jurisdição discricionária, aquela que, no modelo norte-americano, é exercida by certiorari, isto é, via writ of certiorari.

Pois nem bem vencida uma década de existência, o Superior Tribunal vem padecendo do mesmo mal: processos que lhe chegam às braçadas, por atacado. Se, nos dias de hoje, o Superior vem recebendo, anualmente, mais de duzentos mil processos, o Supremo não deixa de receber menos de cem mil. Tribunal semelhante ao Superior na Alemanha, por exemplo, teria julgado, no ano de 2002, menos de dez mil; nos Estados Unidos (Corte Suprema), menos de duzentos; na Espanha, relativamente à matéria cível e penal, menos de onze mil.

Por isso temos duas propostas para acrescentar mais um parágrafo ao art. 105. Primeira: "No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões federais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal, pelas Turmas, examine a admissão do recurso, que somente poderá ser recusada pelo voto de dois terços dos membros da Turma"; segunda: "A lei estabelecerá casos de inadmissibilidade do recurso especial". Quanto à segunda, sugerimos a inclusão, no Ato das Disposições Transitórias, do seguinte artigo: "Enquanto não entrar em vigor a lei a que se refere o art. 105, § ..., o Regimento Interno do Tribunal disporá sobre os casos de inadmissibilidade do recurso especial."

Com relação, também, ao problema do elevado número de processos, há de se dar oportunidade à denominada súmula vinculante. Justificamos a proposta, lembrando que a vinculação dos órgãos administrativos e judiciários às decisões repetidas e de entendimento consolidado no Superior é um dos meios pelos quais se conseguirá evitar, de um lado, e ainda no âmbito administrativo, a reiterada negação do direito do cidadão e, de outro, o número excessivo de recursos meramente protelatórios que abarrotam os tribunais e chegam às últimas instâncias, ajuizados pelos que confiam na demora.

Visa-se, com isso, contribuir para a segurança jurídica e a efetividade do processo e, sem dúvida alguma, atacar a sobrecarga do Judiciário – motivo crônico da crise que inquieta toda a sociedade. A queixa principal não é contra a lentidão?

Tecnicamente a súmula reproduzirá a melhor interpretação da lei; de outro lado, o Tribunal empregará o instituto com toda utilidade possível, sem esquecer a parcimônia que esse emprego requer. Não há por que ter medo dela. Com sua aplicação, situações semelhantes ou idênticas terão logo e logo decisões sem perda alguma de tempo. Vejam que o efeito vinculante também alcança a administração pública – talvez esse seja o aspecto mais relevante. Pois eu pergunto: com isso, não se estaria tentando vencer a lentidão? Além do mais, conforme a feliz lembrança de Victor Nunes, ainda nos anos sessenta, a súmula não é estática nem estratificada, porque se prevê a sua revisão ou cancelamento.

Eis o inteiro teor da nossa proposta, recomendando que estes parágrafos também sejam acrescentados ao art. 105:

"§... O Superior Tribunal de Justiça poderá, mediante decisão de dois terços dos seus membros, aprovar súmula que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário sujeitos à sua jurisdição e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§... Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Superior Tribunal de Justiça, que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."

A reforma é ato legislativo que trará conseqüências positivas para a organização interna do Judiciário e para a prestação jurisdicional. Daí, nossa perseverança e teimosia na defesa destas e de outras propostas enviadas, há bom tempo, ao Congresso. Julgamo-las seguras e efetivas, portanto decisivas no processo de consolidação da Justiça nacional e na celeridade dos seus serviços.

IV – Incidentes

(prévia definição da competência, interpretação de lei e ilegalidade)
Vez ou outra o Superior Tribunal se vê às voltas com situações delicadas, exigindo-se-lhe, nesses momentos, que ultimamente se repetem, ou que ponha ordem em questões suscitadas, dando-lhes medida e forma (isso quando do ajuizamento de ações em foros diferentes, acopladas a medidas urgentes; daí a expedição de inúmeras liminares sobre um mesmo tema), ou que interprete a lei federal, ou diga sobre a sua validade, a fim de ter a sua decisão eficácia ampla (isso ocorre nas demandas repetitivas).

Estamos convencidos de que, com o fim de garantir a supremacia da lei federal (de poder melhor zelar pela sua guarda), ou de assegurar, em todo o território nacional (Constituição, art. 92, parágrafo único), a inteireza positiva dos tratados e leis federais, a sua autoridade e interpretação uniforme, o Superior necessita – e, em boa verdade, faz jus a eles – de instrumentos úteis e eficazes para o melhor desempenho da sua alta missão, isso porque (I) a prévia definição do foro e da extensão da eficácia do julgado evitará a proliferação de demandas, em diversos juízos, com medidas liminares sucessivas e contraditórias e (II) o incidente de interpretação estará destinado a ter grande importância na prestação jurisdicional do Superior, pois o julgamento imediato da questão legal controversa evitará o ajuizamento de demandas repetitivas. Estamos propondo que se acrescente ao art. 105 o seguinte, na forma de parágrafos:

"§... Nas ações civis públicas e nas propostas por entidades associativas na defesa dos direitos de seus associados, representados ou substituídos, quando a abrangência da lesão ultrapassar a jurisdição de diferentes Tribunais Regionais Federais ou de Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, cabe ao Superior Tribunal de Justiça, ressalvada a competência da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral, definir a competência do foro e a extensão territorial da decisão.
§... O Superior Tribunal de Justiça, de ofício ou mediante provocação do Procurador-Geral da República ou do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, se considerar conveniente ao interesse público, poderá fixar, ocorrendo causas repetitivas, a interpretação de lei federal, cuja decisão terá eficácia para todos os órgãos do Poder Judiciário sujeitos à sua jurisdição.

§... O incidente de ilegalidade será apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, na forma da lei."


V – Do juízo de instrução e do título sentencial em substituição ao precatório

Enganam-se os que supõem serem as nossas preocupações apenas de ordem institucional. Tanto não o são que estamos aqui, ali e acolá a pregar a adoção de instrumentos que facilitem o andamento das causas, como a súmula vinculante, os casos de inadmissibilidade do recurso especial, a interpretação em tese etc. E há mais: entre as propostas por nós apresentadas, destacamos duas: a primeira, a propósito dos juizados (ou juízos) de instrução criminal; a segunda, a respeito dos precatórios.

Propusemos, de um lado, a instituição de tais juizados para os crimes que se cometem com sofisticação, nas sociedades modernas (maior poder ofensivo em função da objetividade jurídica desses crimes), como os relativos à evasão de divisas, à ordem tributária, ao sistema financeiro, à ordem econômica, à administração e ao patrimônio públicos, além dos crimes de lavagem de dinheiro e os praticados por organizações criminosas.
Quanto aos crimes de lavagem de dinheiro e conexos, relembro o significativo passo já dado pelo Conselho da Justiça Federal, dirigido pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, para, num primeiro momento, constituir comissão destinada a analisar problemas e propor soluções; noutro, sugerir a instalação de varas especializadas, in verbis:

"Os Tribunais Regionais Federais, na sua área de jurisdição, especializarão varas federais criminais com competência exclusiva ou concorrente, no prazo de sessenta dias, para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores."

De mais a mais, propusemos que os pagamentos devidos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal etc. em virtude de decisão judicial transitada em julgado façam-se exclusivamente na ordem cronológica de apresentação de títulos sentenciais líquidos e certos emitidos pelo juízo da execução e à conta dos créditos respectivos.

No particular, a substituição dos tão criticados precatórios pelos títulos sentenciais (de livre circulação no mercado) tornaria menos tormentosa a execução contra a Fazenda Pública. Ora, a execução fundada em título judicial, por si só, já é um tormento. Após o processo de conhecimento, o mais certo seria o devedor cumprir, de imediato, o julgado, entregando a coisa, satisfazendo a obrigação, efetuando o pagamento etc. De igual modo, haveria de se proceder na execução por quantia certa contra a Fazenda Nacional. Aliás, nos processos de competência dos juizados especiais federais, o cumprimento é de imediato, in verbis: "Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório." Enquanto não se atinge esse ideal, propõe-se a instituição do título sentencial.

É certo que a proposta do Superior Tribunal teve o intuito de abrir portas e janelas a fim de que se discutam ou se rediscutam os problemas advindos do precatório.

VI - Do controle do Judiciário (interno)

Tão espinhoso, tão complexo e de tal forma discutido nos últimos dias, o controle vem sobressaindo entre as questões polêmicas da denominada reforma do Judiciário. Particularmente, isso hei de dizer de pronto, inscrevo-me entre aqueles que entendem que o controle não é um mal; antes, é um bem. Se não sou contra a existência de um conselho, sou radicalmente contra o chamado controle externo.

Bem, se falei de mim em duas ou três palavras, falemos, agora, da proposta do Superior. Se o controle é necessário, julgamos se impõe que tal se faça internamente. Ora, se três são os Poderes constitucionais, independentes e harmônicos entre si, então não se admite que o controle do Judiciário tenha qualquer aspecto externo. A proposta do Superior limita a composição do conselho a sete membros para a sua mais expedita e melhor funcionalidade. Eis o teor da proposta quanto à composição:

"Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de sete membros, com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:
I – um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo Tribunal;
II – um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo Tribunal;
III – um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e um do Superior Tribunal Militar, indicados por seus Tribunais;
IV – dois desembargadores de Tribunal de Justiça e um juiz de Tribunal Regional Federal, indicados pelo Superior Tribunal de Justiça."

Às atribuições do Conselho Nacional de Justiça estamos propondo que se acrescente a seguinte:

"VIII – definir e fixar o plano de metas e promover a periódica avaliação do funcionamento do Poder Judiciário, tendo em vista o aumento da eficiência, a racionalização, o incremento da produtividade e a maior eficácia do sistema, garantindo mais segurança, celeridade e maior acessibilidade na realização dos serviços da Justiça."

Historicamente, o primeiro conselho foi criado na França, em 1946, e reformado em 1958, com o objetivo, vejam, de garantir a independência da magistratura. Malgrado lá os juízes não disporem, de modo integral, dos dons próprios de um Poder, há tentativas no sentido de se dar à Justiça francesa maior independência. Tal se tentou, em data recente, com propostas de alteração da composição do Conselho Superior, "dans le processus d’émancipation de la justice par rapport au pouvoir politique" (Le Monde, 20.1.00, pág. 7). Na Itália, existe pretensão de que o controle se faça por conselho composto apenas de magistrados: "Seriam escolhidos pelos méritos que demonstraram como juízes e procuradores" (Jornal do Brasil, 21.5.00, pág. 19).

Por isso é que o Superior entende que o Conselho aventado na proposta de emenda deve ser composto, exclusivamente, de membros do Judiciário, mas não afasta a idéia, defendendo-a, ao contrário de mal-intencionados pensamentos que andam por aí, de que, perante esse Conselho, hão de funcionar o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados como órgãos provocadores.

Na área federal, é útil e é exemplar, como modelo de controle interno, o Conselho da Justiça Federal, que funciona junto ao Superior Tribunal de Justiça, cabendo-lhe exercer a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal. Foi mais uma das significativas criações dos constituintes, fruto de emenda apresentada, em 1987, ao Substitutivo da Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Já se recomendou, em boa hora, à atual proposta de Emenda em tramitação no Congresso – e a recomendação já foi aceita – que se dê ao Conselho da Justiça Federal poderes correicionais. Na Justiça do Trabalho, foi instituído o Conselho pela Resolução Administrativa nº 724, publicada nos DJs de 28 e 30.8.00.

VII – Das propostas consensuais

Já na Câmara dos Deputados, algumas propostas foram acolhidas e, aqui, no Senado Federal, não foram, meritoriamente, questionadas, afigurando-se-nos, por conseguinte, que a sua aprovação é questão apenas de se vencerem os passos do processo legislativo. A incorporação dessas propostas aperfeiçoaria o texto constitucional, contribuiria para o ajustamento das diversas competências e daria ao Conselho da Justiça Federal maiores poderes.

No que concerne às competências, é mais correto fiquem com o Superior as de processar e julgar, originariamente, (I) nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I (art. 105, I, a), e (II) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 105, I, i). (Relativamente à distribuição das competências constitucionais, julgamos de bom aviso, em decorrência do que denominamos purificação do sistema, que algumas hoje pertencentes ao Supremo mais bem se situariam na órbita do Superior, tais como processar e julgar, originariamente, "o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território"; "as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta"; e "a extradição solicitada por Estado estrangeiro". Infelizmente, a proposta de nossa autoria nesse sentido não foi acatada até o momento.)

Voltando às propostas já acolhidas na Câmara, duas outras, de alto significado, dizem respeito à Escola e ao Conselho da Justiça Federal (art. 105, parágrafo único, na Câmara; § 1º, no Senado): a primeira dita que funcionará junto ao Superior "a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira"; a segunda dita que o Conselho, que já funciona junto ao Superior, será "órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante".

Parece-nos, perdoem a ênfase, que a importância dessas duas últimas medidas salta aos olhos. São juris et de jure, isto é, de direito e por direito, ou estabelecidas como verdades verdadeiras. Em outras palavras, não admitem prova em contrário.

A tão recomendada Escola Nacional, expedindo regras, métodos e conceitos, irá, sobretudo, disciplinar, em todo país, o ingresso e a promoção na carreira. O caráter nacional do Judiciário – vejam, por exemplo, no art. 93, V, da Constituição, a cláusula "categorias da estrutura judiciária nacional" – , como dizia, o caráter nacional do Judiciário requer, é evidente, normas de cunho nacional. Em outros países, como a França e Portugal, a Escola assume enorme relevo na organização da magistratura.

Quanto ao Conselho da Justiça Federal, criado pelos constituintes de 1987/8, sua instalação deu régua e esquadro à Justiça Federal de primeiro e segundo graus. Com atuação em todo o território nacional, é composto pelo Presidente, Vice-Presidente e três Ministros do Superior Tribunal de Justiça, eleitos por dois anos, e pelos Presidentes dos cinco Tribunais Regionais Federais, que serão substituídos nas suas faltas e impedimentos pelos respectivos vice-presidentes (Lei nº 8.472, de 14.10.92).

Ainda que lhe faltem poderes correicionais, o Conselho, em boa verdade, é o melhor dos exemplos de que a Justiça brasileira prescinde do hoje tão apregoado controle externo. Por certo, o Conselho vem disciplinando, mais que a contento, as atividades de toda a Justiça Federal (primeiro e segundo graus), de modo a conferir uniformidade aos seus atos nos campos administrativo e orçamentário. Notem, falei há pouco que os poderes correicionais completarão o Conselho. Além do mais, através do seu Centro de Estudos, patrocina, por si ou em parcerias, seminários e eventos referentes a assuntos de interesse nacional, visando não apenas ao aprimoramento da cultura jurídica, mas também ao aprimoramento das nossas outras instituições. Por exemplo, cuidamos, recentemente, da bioética, da água, do combate à tortura, da pirataria, do Código Civil, das reformas tributária e previdenciária, das perspectivas das relações de trabalho no Brasil e no mundo, da lavagem de dinheiro etc.

VIII – De outros pontos

Permitam-nos externar a nossa opinião a respeito de outros pontos – alguns até fazem parte das nossas propostas, outros vieram dos textos da Câmara e do Senado.

Primeiro, propomos que se acrescente, ao final do inciso LV do art. 5º, a expressão "nos termos da lei", isso porque os princípios do contraditório e da ampla defesa têm obviamente seu conteúdo estabelecido na lei ordinária e, nos termos desta, são assegurados e podem ser exercidos. Daí a explicitação para evitar que qualquer violação do processo legal seja também considerada uma ofensa à Constituição. Isso evitaria, outrossim, o uso abusivo de recurso, numa provocação insensata do Superior e do Supremo.
Segundo, achamos que a hipótese de recusa à execução de lei federal dependerá de pronunciamento do Superior Tribunal, como, aliás, já figura no art. 36, IV, da Constituição. Por isso somos contrários à revogação do inciso IV.

Terceiro, entendemos que o Conselho Nacional de Justiça haverá de figurar entre os órgãos do Poder Judiciário, tal a redação do art. 92, caput e parágrafo único, dada pela Câmara dos Deputados.

Quarto, quanto à redação do art. 93, I, preferimos a da Câmara, uma vez que fere a independência do Judiciário deixar em mãos estranhas a realização de concurso público de provas e títulos para o ingresso na carreira.
Quinto, propomos que se não altere a redação do inciso X do art. 93, porque é oportuno e conveniente que o Tribunal, em determinadas ocasiões, não se reúna em sessão pública.

Sexto, também sugerimos que se não altere a redação do inciso XI do art. 93, porque, na composição do órgão especial, há de ser respeitado, sempre, o princípio da antigüidade.

Sétimo, a existência de órgão especial de férias (ou turma de férias) nos Tribunais Superiores é algo tormentoso por uma série de razões. Assim, somos contrários à sua criação, como pretende a Câmara dos Deputados fazê-lo na segunda parte do art. 93, XII, in verbis: "Nos Tribunais Superiores, haverá Órgão Especial de Férias para julgar matérias urgentes". A posição do Senado se nos afigura a melhor.

Oitavo, quanto à perda do cargo, apresenta-se-nos melhor a posição da Câmara dos Deputados, segundo a qual, a teor da redação dada ao art. 95, I, o juiz perderia o cargo também por decisão do Conselho Nacional de Justiça. Ficar-lhe-iam abertas as portas do Judiciário para a impugnação do ato do Conselho.

Nono, como se dispõe vedar o exercício da advocacia aos juízes (aposentados, exonerados ou demitidos), estamos, então, propondo o seguinte: "Aos juízes é vedado" (art. 95, § 1º) "exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorrido um ano do afastamento do cargo". Basicamente, propõe-se que se reduza de três anos para um o prazo do afastamento. Não há plausível justificativa para os três anos se, por exemplo, em órgãos afetos ao Executivo, o prazo nem sequer alcança os seis meses.

Décimo, propomos competir aos tribunais de segundo grau julgar habeas corpus quando o coator for turma recursal de juizado especial. Por quê? Porque os juizados especiais estão mais diretamente sujeitos aos tribunais locais do que a outros órgãos do Judiciário. Certamente destoa do sistema venha o Supremo tornar-se o Tribunal desses juizados, que, essencialmente, cuidam da matéria infraconstitucional. Ao Supremo, a matéria constitucional, sempre; não a ordinária, a respeitante ao direito comum. Depois, segundo o sistema vigente, haverá recurso ordinário para o Superior, podendo, na hipótese de matéria exclusivamente constitucional, o caso ser levado ao Supremo.

IX – Conclusão

Preocupações outras existem, entre elas, a falta de recursos orçamentários, a falta de planejamento, a falta de informatização, a falta de juízes – neste ponto, o nosso déficit é assustador e poderá tornar-se mais assustador, pois vivemos momento em que as reformas tiram da magistratura seus pouquíssimos atrativos, e o futuro dirá da falta de prudência num tempo em que será difícil a correção de erros passados.

Já padecemos hoje da angústia proustiana, procurando o tempo perdido. No entanto, se culpa existe, o Judiciário não há de ser argüido de responsável, porquanto não lhe cabe, na distribuição constitucional das competências, fazer as leis. Compete-lhe, em alguns casos, a iniciativa delas, e iniciativas têm sido tomadas, sem sucesso, infelizmente. O que não falta é crença, pois crendo é que se redobra a fé no sentido de que, mais hoje ou mais amanhã, teremos o Judiciário do sonho de todos. Embora, na lembrança do poeta, sonho seja sonho, sonhar com o Judiciário perfeito e acabado não custa a quem, como todos nós, almeja sempre viver num Estado democrático de direito. Ora, sem um Judiciário forte e independente, útil e corajoso, garantidor dos direitos, não haverá democracia.

Confiamos plenamente no Congresso Nacional.

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