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Enunciado 25-FVC-IMN: cláusula que autoriza desconto em conta corrente para pagamento de empréstimo - abusividade quando absorve parte substancial do salário 08/01/2013

Enunciado 25-FVC-IMN: "A cláusula que autoriza desconto em conta-corrente para pagamento de empréstimo não é em si abusiva, mas a abusividade pode decorrer da falta limites para o desconto, quando absorve toda ou parte substancial da verba salarial do correntista (consumidor)".


 


Justificativa

            Não me parece consistente o argumento de que a preexistência da regra do art. 649, IV, do CPC, impede esse tipo de pactuação. Ela não obsta que o contraente (devedor), por ato voluntário, aceite em facilitar a forma de pagamento do empréstimo contraído. Quando o legislador tornou impenhorável a verba salarial, que tem caráter alimentar, o fez no intuito de proteger a sobrevivência material da pessoa, impedindo que o pagamento das dívidas recaia sobre essa parcela de seu patrimônio, destinada (em teoria) à sua alimentação e sobrevivência. Isso não quer dizer, no entanto, que o titular da conta salarial não possa, por ato voluntário, dispor de parte dela, como expediente para facilitar a satisfação de uma dívida, desde que isso importe em vantagem para ele próprio.


            É o caso justamente do contrato de crédito em conta-corrente, que tem taxas de juros abaixo das que são cobradas usualmente no mercado financeiro. Para obter taxas mais vantajosas, o consumidor (correntista) permite que o credor possa satisfazer eventual saldo devedor mediante simples desconto na conta-corrente (salarial). Esse tipo de garantia concedida ao fornecedor (instituição financeira) funciona diminuindo o custo do crédito. Como se sabe, são oferecidas várias taxas de juros no mercado financeiro, que refletem a multiplicidade de fatores de risco. Cada uma delas está associada a mecanismos específicos de recuperação dos recursos emprestados, caso os tomadores de crédito se tornem inadimplentes. Em regra, quanto melhor o tipo de garantia oferecida, maior a possibilidade de ser menor a taxa de juros. Se ao oferecer a garantia de desconto automático em conta-corrente, o consumidor recebe por isso o benefício de uma taxa de juros menos elevada, não se pode afirmar que cláusula dessa natureza o coloque em situação de "desvantagem exagerada". Impor que a recuperação dos recursos emprestados pelo financiador só se faça pelos meios executivos tradicionais, perante o Poder Judiciário, pode resultar, aí sim, em desvantagem para o próprio tomador do crédito (consumidor).


            De certa forma, a permissão para o comprometimento, por ato voluntário, de parte (não substancial) da verba salarial já está prevista em lei. Em relação aos empregados do setor privado (regidos pela CLT), a Lei n. 10.820, de 17 de dezembro de 2003, dispôs sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento. Estabelece esta Lei que os empregados podem autorizar o desconto em folha de pagamento dos valores referentes a empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil (art. 1o.). O desconto pode, inclusive, incidir sobre verbas rescisórias, desde que limitado a 30% (par. 1o. do mesmo artigo). Os inativos (aposentados e pensionistas) que recebem benefícios pelo INSS também estão autorizados pela Lei a contratar empréstimos mediante desconto em folha (art. 6o.). Já em relação aos servidores públicos civis (da União), o Decreto n. 4.961, de 20 de janeiro de 2004, que regulamenta o art. 45 da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, também permite que eles autorizem consignações em suas folhas de pagamento, para cobertura de certos tipos de empréstimo (a exemplo de financiamentos para aquisição de imóveis residenciais e empréstimo concedido por entidade de previdência privada) - art. 4o., incs. VI e VII.


            Essas situações, embora não idênticas ao caso em julgamento, guardam uma certa relação com ele, podendo ser tomadas por analogia. Elas evidenciam que é possível, sim, que o titular das verbas salariais, seja ele empregado da iniciativa privada ou servidor público, pode comprometer parte delas com o pagamento de empréstimos, autorizando a imediata apreensão e repasse dos valores ao credor, sem que este seja obrigado a cobrá-los junto ao Poder Judiciário, em meio a um processo de execução. As verbas salariais, embora tendo o caráter da impenhorabilidade, podem ser disponibilizadas livremente pelos titulares, até um determinado limite, sem que isso configure violação ao art. art. 649, IV, do CPC.
Cláusula contratual que autoriza o desconto em conta-corrente, por analogia às situações de consignações em folha de pagamento, não padece de uma abusividade inerente. O débito automático de parcelas de financiamento em conta-corrente pode atender interesses de ambos os contratantes e, por essa razão, não desequilibra a equação contratual. Não ofende princípios fundamentais do sistema jurídico e nem restringe direitos do consumidor, não podendo ser considerada como excessivamente onerosa para ele.


            Não me parece suficiente forte de modo a caracterizar a abusividade, a alegação de que "a autorização para desconto dá margem a abusos, pois facilita que o financiador (credor) inclua encargos abusivos e taxas que somente instituições bancárias sabem manipular". Isso se resolve pela obrigação (que já consta da Lei, art. 52 do CDC) de o financiador ter de informar, prévia e adequadamente (por ocasião da assinatura do contrato), sobre a taxa de juros, acréscimos legais, número e periodicidade das prestações e soma total a pagar. Já durante a fase de execução do contrato, tem ele que informar, no demonstrativo de movimentação da conta-corrente, de forma discriminada, o valor do desconto mensal decorrente da operação de empréstimo, bem como os custos operacionais e quaisquer encargos incidentes. Plenamente informado dos valores descontados, e não concordando com eles, o consumidor terá sempre a via do Judiciário para questionar eventuais abusos (art. 5o., XXXV, da CF).
A abusividade nasce quando se permite que o desconto se faça de forma ilimitada, sem atender à preservação de um mínimo suficiente ao sustento do contraente (consumidor). Se a cláusula permite ou traduz uma apropriação de todo o salário do contratante (ou de parte considerável) aí, sim, ela é dotada ou adquire abusividade, porque passa a infringir princípios fundamentais do sistema jurídico brasileiro, que busca preservar o salário da pessoa (empregado ou servidor público) para o seu sustento e de sua família.


            Por isso, na ausência de uma limitação ao desconto, o Judiciário pode (e deve) intervir na relação contratual, de modo a restabelecer o equilíbrio entre as partes, modificando a cláusula contratual que estabelecera a prestação desproporcional (art. 6o, V, do CDC). Por analogia às Leis que regulamentam as consignações em folha de pagamento, a autorização para desconto em conta-corrente não deve comprometer mais que 30% do salário creditado mensalmente - o inc. I, do par. 2o. do art. 2o., da Lei n. 10.820, estabelece que a soma dos descontos não pode exceder a 30% da remuneração disponível.


            Diga-se, aliás, que é exatamente isso o que já vem fazendo certos tribunais e juízes, limitando o percentual do desconto ao patamar de 30% sobre os créditos em conta-salário do devedor (consumidor). Por oportuno, reproduzo acórdãos que expressam essa tendência jurisprudencial:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. MÚTUO BANCÁRIO. DESCONTO EM CONTA CORRENTE. 30% DO VENCIMENTO LÍQUIDO.


Não há nulidade na cláusula que permite o desconto em conta corrente para adimplemento de mútuo bancário. Se a conta corrente foi aberta somente para recebimento dos vencimentos, é de se limitar os descontos a 30% do vencimento líquido mensalmente depositado" (TJDF-4a. Turma Cível, AGI 2003002009363-9, rel. Dês. Silvânio Barbosa dos Santos, j. 04.12.03)

            Ainda:

"EMBARGOS INFRINGENTES - AÇÃO ORDINÁRIA - EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - PAGAMENTO EM PARCELAS MENSAIS E SUCESSIVAS - DÉBITO EM CONTA CORRENTE - LEGALIDADE
Não se vislumbra qualquer ilegalidade no pacto que autoriza o desconto do empréstimo bancário contraído, mediante desconto mensal das prestações na conta corrente do devedor.
Isso só não seria possível se a quantia fosse equivalente ao total dos vencimentos do devedor, de forma a impedir o sustento do devedor e de sua família" (TJDF, 2a. Câm. Cív., EIC n. 1998011060170-0, rel. designado Des. Haydevalda Sampaio).


 


            A solução justa e que atende à eqüidade contratual e os princípios fundamentais do sistema jurídico brasileiro está em limitar o comprometimento da verba salarial a patamar razoável. O Juiz deve intervir no contrato de consumo para garantir a razoabilidade da cláusula, preservando o pacto e afastando prejuízo (alimentar) para a parte devedora (consumidor).